domingo, 28 de maio de 2017

Vida de Publicitário




            É claro que os nomes (de pessoas e instituições) que uso aqui são fictícios, pois meu objetivo é falar sem atingir. Doce ou amarga, cada experiência de vida é válida. O mais frustrante e fascinante da vida é que tudo continua mesma m..., não? O mundo não muda, e isto é bom. O que muda é o modo da pessoa observar o mundo. Isso sim. E como é bom crescer. E encarar o mundo de sempre. É encorajador.

Comecei como estagiário numa agência de design gráfico, a Timeless, que desenhava marcas e embalagens. Foi uma experiência interessante até. Só que eu comecei a ser obrigado a me tornar um faz-tudo na empresa, e comecei a fazer coisas que nada tinham a ver com design. Tinha que inclusive aguentar uma mulher breguinha, esposa de um dos donos da agência Timeless, e essa mulher insistia em dizer que um certo filme era como uma mensagem anti-Brasil por parte dos americanos. Por favor. Um dia, completamente desmotivado a ir trabalhar, liguei e disse que não iria, e fiquei em casa desenhando coisas desvinculadas da Timeless. Num dado momento, mandei todos ali à m..., sem falar que fui sutilmente assediado sexualmente – para bom entendedor, meia palavra basta. E tinha na Timeless uma designer, completamente sem dinheiro, coitada, com uma filha para sustentar, e essa designer ficava dizendo que uma certa lanchonete da cidade era um reduto de burguesia. Que revoltada. Jesus meu. Sem falar que era um ambiente pouco saudável, sem vista pela janela, naqueles prédios, normalmente impessoais, do Centro da cidade. E as pessoas ali não eram muito talentosas. Uma pessoa, aquela que me assediou discretamente, fez um design de marca imitando, sem dó nem piedade, uma marca que já tinha sido lançada no mercado. Isso se chama mediocridade. E eu tinha que ouvir o dia todo as mesmas músicas – nada contra estas, mas que saco ter que ouvir a mesma coisa todo santo dia. Tchau, disse eu a eles. Less Timeless to me, ou seja, menos Timeless para mim.

Aí, fui estagiar na Must, uma empresa que fornecia serviços de alta qualidade a outras empresas. Só que eu não gostava do ambiente. Sentia-me sufocado ali dentro, reprimido, numa energia um tanto preconceituosa. Eu não me sentia ali um criador, uma pessoa criativa. Fazia trabalhos que pouco exigiam de minha inteligência. Eu era burro de carga. Quando eu não mais aguentava, reuni-me com as pessoas da Must e mandei todos, solenemente, à m..., e até hoje eles devem estar chocados com minha atitude. Inclusive uma delas, anos depois, encontrou-se casualmente com uma pessoa de minha família, e perguntou a essa pessoa porque que eu era daquele jeito. Não gostou? Então se ferre, meu amor. Uma pessoa da Must estava embevecida com a perspectiva de ter alguém abaixo de si na hierarquia da empresa e, mesmo depois de mandá-la para o inferno, ela achou que continuava mandando em mim. Risos! Tchau, querida. Continue sendo esta pessoa sem criatividade que você é. Inclusive, ela começou a ficar paranóica, achando que eu queria destroná-la, como se eu quisesse ser ela. Mais risos! Outra pessoa da empresa, a Carla, era muito preconceituosa, e eu me sentia reprimido pelo conservadorismo dela. O ambiente era morto, sem vida, apesar das instalações limpas e confortáveis. Mas nem tudo foram espinhos. Havia uma pessoa na empresa, um sócio, o Leandro, e este era bem fino e elegante, e entendeu porque eu não mais queria trabalhar ali. Sem falar que a hora para o almoço era de apenas uma hora, tudo isso para ganhar uma miséria por mês. Antes só do que mal acompanhado. Tinha também uma secretária, um tanto incompetente, que também era preconceituosa. Realmente, eu não era feliz ali. Goodbye! Bola pra frente.

Então, comecei uma fase importante em minha vida de publicitário – fui trabalhar no Departamento de Criação da Perfect, uma agência de Propaganda. Lá, sofri assédio moral. Falavam de mim pelas costas, e achavam-se em todo e absoluto direito de ligar para a minha casa à meia-noite, por exemplo. Na Perfect, havia uma pessoa certamente bipolar, o Roger, no fundo uma boa pessoa, mas era uma pessoa agressiva que carregava todos consigo em suas crises de péssimo humor. Era uma pessoa que achava que era ético e justificável tratar as pessoas grosseiramente. Outra pessoa, o Breno, achava-se perfeito e imune a erros, logo, se algo dava errado, a responsabilidade era dos outros, e não de Breno. Bem arrogante, era uma pessoa que me dizia para ser humilde, quando o próprio Breno não era muito humilde. Isso se chama hipocrisia. E Breno era “João do passo certo”: só ele sabia a hora certa de fazer piada e só as piadas dele eram engraçadas. Havia outra pessoa, que tinha todo um verniz paladino, mas na verdade era uma pessoa cagona – desculpe o termo. Mas até que fiz coisas válidas que me deram experiência, como material para várias instituições e empresas. Houve na Perfect um episódio infame: Roger, um lindo dia, deu-nos a notícia de que a Perfect acabava de se tornar a agência de uma grande empresa, a God, um cliente que investia bastante em vendas. Só que Roger não revelou-nos os bastidores daquilo, e só fiquei sabendo da história depois de sair da Perfect: Roger topara ser puta pobre, desculpe novamente o termo, pois Roger aceitara ganhar da God um pagamento muito barato, abaixo do ideal e da ética, e Roger fez isso por achar que, sendo a agência da God, seria uma bela vitrine para a Perfect atrair outros clientes, uma atração que acabou nunca acontecendo. Roger, o que você fez se chama falta de amor próprio, praticamente uma ingerência. Essa história antiética da God começou a denegrir o nome da Perfect no meio publicitário. A filosofia de Roger era a seguinte: hoje eu me ferro mas, amanhã, colho os doces frutos. Só que Roger só se ferrava e os tais frutos nunca vinham. Frustração. A Perfect não durou muitos e muitos anos e, para uma pessoa guerreira como Roger ter jogado a toalha, é porque realmente a imperfeita Perfect estava sem condições, sem clientes, sem poder pagar as próprias contas. A Perfect fechou, mesmo Roger tendo dado à Perfect sangue, suor e lágrimas. E eu não tenho pena. Outro episódio mostra a falta de dignidade da Perfect: Roger ofereceu trabalho de cortesia para uma empresa, a The Best, com a seguinte condição: a Perfect daria de graça o trabalho e, em troca, a The Best adotaria a Perfect como sua agência oficial. Só que a The Best aceitou o trabalho, mas nunca passou a ter a Perfect como sua agência. Isso se chama mentira. Outro episódio retrata a falta de dignidade de Roger e da Perfect: uma grande empresa, a Sexy, estava prospectando uma agência, e a Sexy impunha às agências um comportamento altamente antidignidade, quase cruel, e a Perfect embarcou nessa falácia, e, naquele momento, eu comecei a perceber que meu lugar não era na Perfect. Na Perfect, virávamos noites, éramos workaholics, sem folga em sábados, domingos e feriados. Uma vez, Roger ficou 48 horas sem dormir. Era uma escravidão insuportável, um fundo de poço. Na Perfect não havia vida; só trabalho. Era triste. E Roger sabia ser bem agressivo, tenso, no fundo sofrendo com aquela vida. Havia meses em que Roger sequer ganhava algo como pagamento, e isso lhe dava raiva. Sinceramente, ainda bem que a Perfect fechou, pois aquela vida excruciante não estava fazendo bem a Roger, que é uma pessoa bem empreendedora, batalhadora, mas muito kamikaze: Roger era como mergulhar de cabeça numa piscina sem se certificar: 1) De que a piscina tem profundidade o suficiente; 2) De que a piscina está cheia d’água. Essa é a explicação para Roger ter quebrado a cara tantas vezes, fechando a Perfect. Hoje, não sei como Roger está ou de seus projetos. Espero que ele se encontre na vida. Vá em paz! Nobody is perfect, ou seja, ninguém é perfeito. Ressentimentos não guardo, pois ressentimento é como lixo – tem que ser descartado, pois, do contrário, torna-se prejudicial. A vida tem que ser tocada para frente. Por outro lado, na Perfect conheci uma pessoa muito fina e talentosa, a Mara, e ela me mostrou como ter dignidade é importante. Mara desprezava a falta de autorrespeito, principalmente no episódio da Sexy. Uma dama digna. Elegante, Mara era descendente de uma pessoa importante. Classe e respeito andam juntos.

Na faculdade de Publicidade e Propaganda, tive um professor, o Higher Ground, que se achava o maior gênio em toda a História da Propaganda. Higher Ground era tão deselegante que não desgrudava do computador nem na hora de dar aula, e, quando estava um aluno apresentando um trabalho, esse professor arrogante não conseguia tirar os olhos do próprio monitor. Sem falar que Higher Ground usava os alunos para catar ideias para sua própria agência, a Invincible. Isso se chama falta de ética. Outra professora, a Máxima, tinha o lema “Nós não temos horário; temos prazos”, uma filosofia antidignidade a qual experimentei na “maravilhosa” Perfect. Então eu decidi zombar de Máxima, e mandei a ela um e-mail ironizando o referido lema. Máxima não achou o máximo e depois me humilhou, só de vingança. Sua babaca sem senso de humor. Morra. Hehehehe!!!!!

Tive certa vez uma professora muito boa até, que era um medalhão de uma agência toda poderosa, a Hot. Dez em cada dez publicitários queriam trabalhar na Hot, achando-a simplesmente um tesão. Só que a Hot envolveu-se em um escândalo financeiro e acabou fechando as portas. Quem diria que a Hot, um dia, esfriaria. Gigantes caem.

Quase fui trabalhar numa agência, a Precious, mas dei-me conta de que eu ali seria desprezado, maltratado e assediado moralmente, sofrendo humilhação semelhante a um trote universitário. Não sou masoquista, logo, mandei a Precious à m...! E as pessoas daquela agência ficaram fu-ri-o-sas comigo. Bem feito. Em outra agência, a Golden, eu sequer tinha começado a trabalhar e o assédio moral (contra mim) já estava tomando corpo. Mandei a Golden para a morada de Satanás. Outro lance estranho foi com um publicitário que saiu de uma agência e convidou-me para trabalhar com ele, mas eu logo senti que o negócio ali não era muito às claras. Tchau, querido.

A dolorosa verdade é que Propaganda não é arte; é técnica de venda. O publicitário é um vendedor, um sub-artista. As pessoas não assistem TV por causa dos comerciais, mas APESAR dos comerciais. As pessoas folheiam jornais e revistas, acessam internet e ouvem rádio APESAR dos anúncios. As campanhas publicitárias de esmagador sucesso e carisma são exceção de exceção, são raríssimas, como nas inesquecíveis campanhas “Pipoca com Guaraná Antártica” e dos bichinhos de pelúcia do leite Parmalat. Normalmente, a Propaganda é vender, vender e vender, sem muita poesia.

Outro aspecto asqueroso da Propaganda é a prepotência egocêntrica estelar de muitos publicitários, sendo corriqueiramente pessoas que se acham, de fato, muito acima da média. Conheci uma mulher que começou como publicitária em POA e hoje trabalha em uma grande agência, e uma certa vez, quando por acaso nos encontramos em um evento social, ela me disse: Tu tens trinta segundos para me dizer como estás. Por favor. Vá ser arrogante assim lá na Lua. E há outro certo publicitário (muito famoso) que me dá nojo, e sinto vontade de vomitar na cara dele. O ser humano é assim: eu, eu, eu. É a orquestra do egoísmo, como diz o Taoismo.

Goodbye, my friends, go live your lives, ou seja, Adeus, amigos, vivam suas vidas. Da minha parte é isso. Tem que haver evolução mental e aquisição de experiências. Aprendam a lição do autorrespeito. Amar a si mesmo é uma grande, grande lição. No final das contas, fica um gosto de chocolate meio amargo na boca: tem o doce mas tem o amarguinho junto. Sou grato a todas essas pessoas. Muito grato. Querendo ou não, fazem parte de minha caminhada. Meus irmãos, meus iguais, meus cocidadãos. Tchau, queridos.

Um comentário:

  1. Muito bom, Gonçalo. Gostei muito de ler estas tuas agridoces memórias publicitárias. E o pior, é que todas estas idiossincrasias também estão presentes em quase todos os ambientes profissionais dessa nossa pós-modernidade. Parabéns.

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