quarta-feira, 11 de abril de 2018

Causando (Boa) Impressão



O francês Oscar-Claude Monet foi uma das maiores estrelas do Impressionismo, um movimento que quebrou com os moldes acadêmicos e que, quando surgiu, causou monstruoso impacto, ao ponto das pessoas, no início, acharem que as pinturas impressionistas eram piadas, anedotas, e não Arte de verdade. No Met de Nova York pude ver várias obras célebres, numa coleção de dar inveja. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus.


Acima, Camille. Trata-se de um quadro sombrio, duvidoso, cheio de mistérios, nos mistérios do Feminino, hipnotizando o Masculino. A nobre senhora arrasta seu vestido, farfalhando, como no farfalhar da primeira cena de Kim Basinger em L.A. Confidential. Não é um quadro ao ar livre, mas bem intimista, e Camille está tímida, como se não quisesse ser vista, nunca posando de frente para o artista. Seu olhar é plácido e um pouco triste, como se tivesse se decepcionado com a Vida. Vemos apenas um perfil, com um nariz belo e proporcional. Sua mão direita segura o laço do chapéu, que é um acessório discreto. Aqui, o preto predomina, pois vemos preto no vestido, no casaco e no chapéu, além do breu do fundo da cena, numa harmonia cromática formidável e sedutora. Esta Camille seduz sem parecer que o faz, e aí está o seu fascínio. O seu olho parece estar fechado, como se ela estivesse no meio de uma gostosa soneca à tarde, desligando-se do mundo lá fora, repousando em inabalável paz, sentindo-se segura do próprio sono, sentindo-se a salvo das vicissitudes mundanas. E por que o preto aqui é tão predominante? O preto é a cor da incerteza e do mistério, como diz a famosa canção brega: “A música na sombra, o ritmo no ar. Um animal que ronda no véu do luar”. São os mistérios femininos, tomando conta do artista, como um Leonardo da Vinci apaixonado pela própria Monalisa. Há aqui um equilíbrio, e Camille toma conta do quadro, sendo a estrela central, mesmo que seja um equilíbrio implícito, nunca óbvio. Nada aqui é óbvio em Camille, bem pelo contrário. Ela cruza o quadro e toma conta deste, entrando na mente de Monet. A técnica perfeita mostra a textura do tecido do vestido, no talento digno de um mestre renascentista – seria Monet uma reencarnação de algum outro grande artista? Espiritismo à parte, Monet mostra que, com poucas pinceladas, pode-se constituir uma cena, no estilo impressionista de, se visto ao longe, mostra-se claro; se visto de perto, perde o sentido, numa magia entre claro e obscuro, numa contradição deliciosa. A pele de Camille é alva, intocada, e é o único elemento claro no quadro, numa beleza discreta, privada, para poucos. Camille é discreta, e parece relutar em posar para algum pintor. Ela não parece usar maquiagem, e sua beleza é natural, de nascença, sem excessos plásticos. Camille está passando pela sala e deixa seu inebriante perfume no ar, e parece que foi fotografada, e não pintada. Aliás, é sempre válido dizer que a Fotografia libertou a Arte da função retratista, e o Impressionismo é uma prova disto, assim como o Modernismo Brasileiro o foi. O casaco negro de Camille parece ser de um animal morto, numa época em que o Ecologismo não atuava ainda. Seu corpo está completamente tapado, como uma santa, apenas revelando uma mão e metade do rosto, num mundo que não quer vê-la necessariamente nua, apesar da Nudez e da Arte sempre terem andado juntas, ainda mais na Europa, ou em Paris, berço do Ocidente Contemporâneo. O chapéu de Camille tem formas que parecem ser flores, numa coloração que acompanha o quadro de discrição desta obra, num Monet misterioso, que nunca se revela por completo, sempre deixando um gostinho de “quero mais”. Camille aqui está alheia, entediada com um mundo tão óbvio e burguês, e suas roupas parecem ser pesadas, assoberbantes, como é pesada a vida de uma pessoa rica, como diz o Espiritismo: “Você não faz ideia a que nível fica reduzida espiritualmente uma pessoa que é considerada feliz na Terra”. Mas a magia de Camille permanece, com seu vestido fino, em sua sala escura onde a luminosidade não fere os olhos, trazendo relaxamento, intimismo e ponderação.


Acima, Mulher com Sombrinha. Temos aqui uma releitura da Madona com o filho. Esta mulher é misteriosa, com o rosto encoberto por um fino véu, rebolando à sensual brisa. Ela se protege da agressividade dos raios solares, e o filho também está protegido, com um chapéu, no sentido de que uma mãe pode fazer tudo para proteger o próprio filho. O céu e o gramado são absolutamente impressionistas, constituídos por pinceladas afoitas, na capacidade de Monet, como mestre, em nos dar imagens claras, porém “borradas”. A “Madona” joga um olhar triste sobre o espectador, e o menininho também não sorri, num Monet sério, empenhado em produzir abundantemente em seu atelier. A cena traz todo um frescor primaveril, e podemos ouvir o gramado farfalhando ao som do vento. A mulher observa o espectador, nunca se revelando por completo, no mistério em que grandes artistas se transformam. A mulher projeta sua sombra sobre a vegetação, jogando uma sombra de dúvida e mistério: quem sou? É a indagação existencial de qualquer pessoa, no desafio do autoencontro. O vestido de cor clara é fino e elegante, num Monet elegante também, e o vestido traz o Feminino, a delicadeza, o perfume agradável. A sombrinha traz uma nuvem negra de tempestade, em meio a uma cena tão ensolarada, tão clara e limpa. A sombrinha traz uma sombra de dúvida, de desencontro, num ser humano que se frustra tanto até se encontrar, na dor do desencontro, da não adaptação, no sentimento de despertencimento, como na personagem melancólica de Michelle Pfeiffer em A Época da Inocência: a personagem quer fugir dos inevitáveis problemas da vida, até se dar conta de que não existe escapar. A sombrinha é a desilusão, é o não poder ver muito longe, é a sombra da depressão, doença que atinge aquele que, definitivamente, não sabe o próprio lugar no Mundo. Apesar desta cena de Monet trazer um quadro tão belo e ensolarado, traz também o estar perdido, num artista que, para se encontrar, tem que produzir e persistir. Ao chão, vemos graciosas flores silvestres douradas, na beleza da natureza silvestre, brotando espontaneamente, fertilizadas pela Natureza, num artista de imaginação fértil. O menininho é corado, saudável, e está paralisado, posando para esta “foto”. Ele ainda é muito jovem e precisa dos cuidados extremos da mãe, numa espécie de Nossa Senhora impressionista. O vestido dela é como um furacão, uma força da Natureza que atinge tudo e todos, mas a mulher está estável, no olho da tempestade, firme como uma rocha, e a “Madona” e o menino estão mergulhados no capim e nas flores, numa cena tão arejada e livre, a céu aberto. E temos o retilíneo cabo da sombrinha. O cabo, é claro, é o pensamento racional e fálico, conduzindo a simples ligação entre dois pontos – a mulher e o menino. É o artista com um pincel na mão, instrumento que se torna uma simples e poderosa extensão da mão artística. É claro que esta mulher é o epicentro da cena, e o menino é ator coadjuvante, discreto, recolhido, “castrado”. O céu e a vegetação são um só, girando em torno do princípio feminino aqui. O respirar da mulher e do menino juntam-se à brisa ao ar livre, numa integração biológica, onde tudo dança a mesma dança natural, orgânica. É o fascínio do Impressionismo: de perto, borrões; de longe, uma verdadeira fotografia colorida. A sombrinha é como uma água viva nadando nos oceanos primevos da Vida, no mistério do surgimento desta. O que é o Mundo? A mulher cumprimenta altivamente o espectador, de forma minimalista.


Acima, Nascer do Sol. Este Sol remete à bandeira nacional do Japão, num disco rubro envolto por névoas, que são as incertezas da Encarnação. O astro sobe e luta para se espalhar, numa paisagem nebulosa e duvidosa, sombria. O disco solar se reflete n’água, num ritmo caudaloso e ruidoso, e podemos ouvir o som do fluxo das águas. O barco em primeiro plano é negro, como um carro fúnebre, cheio de tristeza, de imprevisibilidade. A água e o céu fundem-se, formando um só organismo, e não há linha divisória clara entre eles. Ao fundo vemos estruturas que lembram píeres e barcos, e podemos ouvir o emitido pelas buzinas das embarcações. É um dia normal de trabalho, e a água está recebendo essa demanda laboriosa, num píer que nunca descansa ou para. O único elemento quente que temos aqui é o Sol e seu reflexo, com algumas nuvens de discreto dourado na porção superior da cena. É mais um dia que nasce, e as tarefas no atelier não podem parar. Há várias pinceladas azuladas no quadro, num azul que adquire função especial na tela – é impressionante observar como o Cinema transformou telas de pintura em cenas dinâmicas. Pela incidência solar, a embarcação negra fica dessa cor profunda, numa embarcação modesta em meio a outras embarcações mais suntuosas e maiores – é a modéstia, com um ser humano que não se sente um Titanic, mas um humilde e simples barco de pesca. As águas aqui absorvem todas as cores, revelando-se frenéticas e receptivas aos marinheiros, como uma Iemanjá, a Mãe dos Mares. Atrás do barco negro, outro barco, só que mais apagado e discreto, quase fundindo-se ao mar abaixo de si. É como um apóstolo seguindo seu senhor, como patinhos seguindo a mãe. O barco negro é o “Patinho Feio”, o qual, depois de um longo processo existencial melancólico, finalmente se encontra ao descobrir que nunca foi e nunca será pato, mas um belo e nobre cisne. O artista se encontra por meio da própria arte. O Sol rubro e o barco negro são os opostos entre luz e sombra, e, juntos, são o personagem central do quadro, vibrando entre si, brigando para ver quem é o grande astro desta história. As névoas dão um clima de incerteza, sempre cobrindo e escondendo algo, no sentido de que nada ocorre como o exatamente imaginado, nas maneiras da Divina Providência: se o Ser Humano soubesse como tudo iria acontecer, nada aconteceria, ou seja, a Vida não tem razão sem dificuldades. O véu de mistério é essencial na existência, cabendo ao Ser Humano só tomar conhecimento de diretrizes um tanto vagas e indefinidas, como na indefinição das pinceladas impressionistas. O Sol luta para trazer definição e clareza, mas o terreno aqui é muito fechado, relegando ao Sol um simples papel de coestrela, e nunca de estrela absoluta. Este sol “em brasas” traz calor à cena, numa aconchegante lareira em um dia frio e úmido, no contentamento em meio aos dias frios da existência, aos dias nublados e cinzentos, aos dias de tanta dúvida existencial, no talento do Ser Humano em estar perdido, no inevitável labirinto da Vida – cada um tem que se encontrar por si mesmo: príncipes, mendigos e plebeus. O reflexo do Sol n’água é como o rabo de um cometa, numa estrela tão deslumbrante e absoluta, o epicentro de uma família, de um sistema solar. Este Sol luta para prosperar, na luta pela Vida, como plantas competindo por um lugar ao Sol, na luta que é a Vida. O Sol de Monet traz uma lição de persistência, de espírito de guerreiro. Pequeno e distante, este Sol é uma luzinha no fim do túnel, uma luz tão fraquinha, porém brava e resistente, sinalizando o nascer de uma nova realidade na vida de um ser humano. Ainda mais atrás do barco mais apagado, uma forma que parece ser um terceiro barco, só que extremamente apagado, nunca sendo de fato percebido. Este barquinho quase invisível é Tao, o Uno, aquele que é sempre subestimado, tornando-se invisível e, assim, podendo agir. É o que nos diz o personagem de Al Pacino em O Advogado do Diabo: seja sempre subestimado, pois, assim, pegarás o Mundo de surpresa, e as surpresas são divertidas e interessantes. As estruturas ao fundo no quadro são pontiagudas, rijas, como em uma coroa de espinhos. São os avanços da vida em Sociedade, do modo como o Impressionismo foi a aurora de um novo dia na Arte, num momento de avanços e de questionamento de velhos moldes acadêmicos. É a pós-moderna pirâmide vidro do Museu do Louvre, no diálogo (equilibrado) entre tradição e transgressão. Os velhos moldes aqui citados foram sendo vencidos, do modo como, em plenos anos 2000, o DVD, por exemplo, estar morrendo por razão do avassalador avanço da Internet. Como diz uma canção de Jaz: “Apenas um tolo pode pensar que pode aplacar a Aurora”.


Acima, Nenúfares. A poesia floral e o perfume tomam conta deste quadro. Monet mostra o seu lado feminino e delicado, numa cena onde há total e absoluta harmonia. A água está estável, plácida, sem qualquer sinal de revolta ou conflito. É uma cena que convida à Meditação, à Paz. Isto lembra as majestosas vitórias régias do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Aqui, não temos em Monet um desejo belicoso de fazer críticas contundentes à Vida em Sociedade, bem pelo contrário, temos uma deliciosa alienação, um retiro, uma tarde preguiçosa que convida a relaxar e curtir a Vida em seus aspectos mais simples: às vezes, tudo do que o Se Humano precisa é ar nos seus próprios pulmões. É a canção Lazy Afternoon, ou seja, Tarde Preguiçosa, cantada por Barbra Streisand, quando a mesma já disse no show The Concert: Barbra, na maior parte do tempo, quer fugir do Mundo e desligar-se deste, apenas deitando sob uma árvore e nada fazendo. Os nenúfares boiam em relaxamento, na sensação deliciosa que é a Experiência Extracorporal espírita: uma sensação indescritível de paz, de prazer, como mergulhar em uma piscina térmica. Esta é a busca do artista por paz e harmonia, num artista cansado das vaidades mundanas, das guerras, das grosserias. É um quadro colorido, como um arcoíris, e as flores se revelam, triunfantes. É como uma comunidade zen, onde todos vivem em harmonia, onde não há guerras ou litígios, num artista sedento por paz e reclusão, como a atriz Meryl Streep, que vive uma vida discreta e recolhida, sem se deixar levar pelos sinais auspiciosos hollywoodianos, ao contrário de tantas outras almas, que perecem nas medíocres batalhas humanas por dinheiro, fama e poder. Temos um Monet tranquilo e relaxado, feliz em sua própria produção. A água plácida reflete cores, o podemos ouvir o relaxante cato de pássaros neste bosque paradisíaco. A água nos convida a mergulhar e se misturar à Natureza, fazendo parte de um bioma idealizado, onde não há herbívoros sendo caçados por carnívoros. Na verdade, este quadro não existe na Dimensão Material, a qual é repleta de rosas e espinhos, de sabor agridoce. Monet sabe que um dia vai desencarnar e que deixará para traz o corpo físico, (re)ingressando na Dimensão Metafísica, a qual Jesus chamou de Reino dos Céus. A flora aqui é luxuriante, exuberante, e quase podemos ver peixes nadando tranquilos, mal podendo ser vistos, pois estão recolhidos, imperceptíveis, assim como Tao é imperceptível, invisível, agindo silenciosamente. Neste quadro há silêncio, retiro, como num monastério, um lugar para prece, trabalho e paz. Aqui, as cores douradas são o tesouro de Monet, e, em sua própria arte, encontrou um tesouro. Não há figura central no quadro, e cada elemento tem papel fundamental. É o fluxo intermitente, como diz a Dialética: tudo é processo. Aqui, nada está em definitivo, nada está exposto às vaidades arrogantes das verdades absolutas. Tudo flui em concordância, na sensualidade da Internet, a rede que conecta tudo e todos. Tao, o Uno.


Acima, Ponte Japonesa. A ponte são os relacionamentos, as relações, a Vida em Sociedade. É um link, um elo que liga dois seres humanos: criador e espectador, num diálogo, numa cena alegre e colorida, festiva e, assim mesmo, meio triste, num fim de tarde, num Sol que morre aos poucos. Aqui, a vegetação são roupas maravilhosas, como grandes fantasias de Carnaval, num Monet atraído pelas cenas ao ar livre. É o auge da Primavera, e as flores exibem-se no afã da reprodução, visto que as flores nada mais são do que as genitálias das plantas. A ponte aqui está quase engolida pela Natureza, quase numa guerra entre Civilização e Natureza para ver quem se sobressai mais. O céu ao fundo é róseo, paradisíaco e doce, como um algodão doce, e tons de magenta marcam presença pela maior parte do quadro. A Natureza é um deleite para Monet, e o artista, em cada pincelada incerta impressionista, traz um cenário tão claro, tão rico de árvores, folhas e flores. A ponte aqui é engolida pela Natureza, e a forma curvilínea da ponta curva-se perante o natural, o Ecossistema. Aqui, Monet se esmera na riqueza cromática, e é tudo um Carnaval, uma festa, como um cristal que transforma a luz branca em um leque de cores finas, intensas, como um aristocrático salão de baile, com lustres multicoloridos e alegres. O quadro aqui sorri para o espectador, e convida este para entrar na festa. É o parque mais bonito do Mundo, e dá para sentir o cheiro de mato, de folha, de árvore, como no odor sedutor das folhas de plátano no Verão. Podemos ouvir o discreto som de água correndo sob a ponte, e a água trata de adquirir (e de se contagiar com) as cores vegetais. A ponte é o contato entre artista e espectador, e o quadro serve de meio para que esse contato aconteça, numa ironia: a ponte é uma ponte. Difícil imaginar bosque mais colorido e receptivo, num artista que nos convida a entrar em sua mente. A ponte não chega a ser o protagonista da história, pois divide esse papel com as plantas e a água. É um quadro doce, delicioso, com tantas cores em uma época em que o Cinema recém surgia, e ainda faltava muito para este ser colorido. Com a intenção de aparecer na cena, a ponte não é multicolorida, e se reserva um tom mais discreto. Podemos ouvir o som de grilos no bosque, num entardecer tão envolvente. A rósea estradinha que leva à extremidade escondida da ponte é o Caminho da Vida, o itinerário existencial, as coisas pelas quais a pessoa tem que passar durante a Vida. É o caminho da encarnação de Monet, que encontrou na Arte seu “fioterra” com o Mundo.

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