Há artistas que, depois de
morrer, tornam-se sinônimo de sofisticação e riqueza, como Pablo Picasso, que
deu nome a um carro de luxo. Numa cinebiografia, Picasso foi vivido por Anthony
Hopkins. Reza a lenda que Picasso confiava muito em si mesmo, e que, na hora de
pagar a conta em um restaurante, Picasso fazia um rápido desenho num papel,
esperando, assim, com essa “doação”, ficar isento de pagar a conta. Há vários
anos, o Shopping Iguatemi de Porto Alegre fez uma mostra de em cerâmicas de
Picasso, como pratos. Hoje, ter uma coleção de Arte que abranja Picasso é
considerado muito chic. Os textos e análises semióticas a seguir são
inteiramente meus.
Acima, Dora Maar com Gato. Este quadro é vertiginoso, pois tem uma
inclinação, e tudo ameaça virar e se destruir, como numa sacada frouxa, a qual
ameaça desabar a qualquer momento. A cena girando é a passagem do Tempo, num
quadro que gira como um relógio, na inevitável Morte que espera todo ser vivo,
e Picasso teve que decidir o que fazer com os anos de Vida que lhe restavam. A
mulher é uma rainha em um trono, poderosa em sua pose sentada, talvez exercendo
poder sobre o próprio Picasso, o qual, reza a lenda tratava mal suas namoradas,
mas, aqui, frente a Dora, Pablo se curva. As mãos de Dora têm garras afiadas,
como as do gato na cena, e a mulher é uma Mulhergato, sensual, acetinada e, ao
mesmo tempo, agressiva e abrasiva, e esses são os lados opostos do artista: liso
e áspero, opostos da mesma moeda. A mulher posa confortavelmente, empoderada em
seu trono, e o gatinho ao lado é sua paixão, seu amor, no encanto que os
felinos exercem sobre a Humanidade desde o Antigo Egito. O gato é a combinação
desses dois fatores: duro e mole – duro nas garras afiadas; mole no
comportamento agradável e sutil. O gatinho aqui está no cio, eriçado, num
Picasso que encontrava muito tesão no próprio trabalho, produzindo feliz e
concentrado. Ao fundo da cena, linhas tensas e oblíquas, tratando de colocar
tudo aqui num grande liquidificador, fazendo com que as linhas retas rendam-se
às curvas desta Mulhergato, a qual tem imprevisíveis cabelos negros como o
próprio gato. O trono é altivo e se impõe, num Picasso que se tornou uma
espécie de rei da Arte, trazendo identidade cultural à Espanha, um país tão
rico de artistas geniais, numa identidade espanhola, sensual, colorida, intensa,
apimentada, irreverente, no país do Flamenco e das castanholas, no caldeirão
vibrante que é o povo espanhol, que um dia foi a maior potência da Europa. Os
trajes da mulher remetem um tanto à obra de Romero Britto, já resenhado neste
mesmo blog. Britto gosta de cores variadas e alegres, produzindo subconjuntos
de identidade própria, como é o caso deste vestido, rico em estampas variadas.
É como se este traje expusesse os órgãos internos da mulher, lançando luz sobre
o Feminino, como foi feito recentemente no principal jornal de Caxias do Sul, o
qual, ao apresentar as candidatas a Rainha da Festa da Uva, fotografou os
objetos que as meninas carregavam na bolsa, ou seja, a bolsa fechada, com
coisas misteriosas e ocultas em sua clausura negra, é o Feminino “sujo”,
“maléfico”, imprevisível, “insano”, como uma horrenda aranha em uma toca
escura, negra; já, os objetos da bolsa, ao serem claramente fotografados,
exibidos e iluminados, são o Yin iluminado pelo Yang, fazendo com que a
exposição dos objetos das moças fosse muito clara, como a bondosa e iluminada fada
Glenda de O Mágico de Oz. Neste gesto
ritualístico de exposição e iluminação, a aranha negra torna-se clara com
cristal, e esta aranha, ao ser iluminada, não mais assusta, e este é o modo
humano de categorizar e conhecer tudo ao seu redor. Neste quadro de Picasso, o
vestido da mulher é orgânico, como alimentos sendo processados pelo Aparelho
Digestivo. As bolinhas são como pequenos ovinhos de Páscoa, numa rica cesta
colorida, nos mistérios caleidoscópicos da Vida, como na Rainha Virgem
Elizabeth, cuja virgindade tinha um peso metafórico enorme, como na Imaculada
Conceição: um útero intocado e iluminado, no fato de que, a menina que se
candidata a Rainha da Festa da Uva, tem que ser solteira, ou seja, virgem. E o
Cubismo é assim: tenta expor todos os lados de uma figura, como aqui no rosto
da mulher, iluminando cada porção do rosto, trazendo à tona até as faces mais
obscuras e misteriosas da existência. E podemos ouvir o gato miando.
Acima, Jacqueline com Flores. As flores são eternos símbolos de
Feminilidade, como num namorado apaixonado, presenteando com flores a namorada.
A modelo aqui está de perfil, como numa moeda, exercendo um papel simbólico forte,
como o faz a Rainha da Inglaterra, cujo rosto está nas cédulas de dinheiro e
moedas. O pescoço de Jacqueline é longo e forte, monumental, um forte pilar
pétreo, como numa Evita Perón, a qual, no corpo de uma frágil mulher com
câncer, transformou-se em um verdadeiro titã. O pescoço é um tronco de árvore,
mais duro do que um poste, com a seiva (e o sangue) circulando pela grande via,
como numa avenida de cidade, num vaivém incessante de veículos e pessoas, na
demanda da Vida. O olho da modelo é enorme, descomunal, como no grande olho
onisciente, o qual tudo observa e controla, como no temido olho de Sauron de
Tolkien, um olho que deseja se apoderar de tudo e todos, eliminando a Vida,
matando tudo como uma bomba atômica de escala global, no sonho de qualquer
psicopata – destruir a Vida, como Hitler, que quase destruiu a Terra ao tentar
colocar uns contra os outros, no desejo oculto de Hitler de, depois de vencer a
II Guerra Mundial, promover um suicídio coletivo entre os vencedores da Guerra,
do modo como o próprio tirano se matou. Aqui, no quadro, as flores são a Vida,
o perfume, o lado agradável da existência, e estas flores não parecem ter
espinhos. O azul ao fundo é um mar belo, majestoso em sua imensidão, no modo
como a Humanidade, um dia, pensou que nada havia além da imensidão do Mar,
projetando, neste o fato, que Tao é eterno, e esta é a batalha de um artista –
tornar-se eterno, na glória consagratória que é reservada a poucos, no sentido
competitivo de que todos buscam tal glória. Mais abaixo no quadro, temos um
vermelho vibrante, como um vinho que desce pela garganta e aquece a alma,
trazendo um pouco de Vida a uma Jacqueline tão pálida, como se banhada pela luz
de um luar, no fascínio que a Lua exerce sobre quem gosta de contemplar a
Natureza. Jacqueline usa uma joia que parece ser um relógio, no desejo humano
de controlar o tempo e medir este, como nos relógios derretidos de Dalí, no
sentido de que e tempo é relativo e mutante, como no fato de que, um dia, o dia
na Terra terá 25 horas, sendo inúteis as ambições humanas em querer controla o
Universo, e, assim, ser Deus; ser Tao. As vestes desta modelo remetem a
ilustrações dos jogos de baralho, numa certa claustrofobia de O Iluminado, no terror de uma prisão
dentro da qual um louco que matar tudo e todos. O jogo pode ser um sério vício,
com pessoas se endividando. Mas, para Picasso, o único bom vício era fazer
Arte, ser original, ser ele próprio, na busca terna por identidade, como nos
códigos de barra de produtos no supermercado: De onde vim? O que é parte de mim
mesmo? Como na proveniência de zonas como o Vale dos Vinhedo de Bento
Gonçalves. E cada cidadão tem seu próprio número de CPF e RG. Esta cena parece
se passar numa sacada, em uma noite amena, na qual as flores aqui trazem um
perfume tão delicado, fundindo-se ao perfume de Jacqueline. É um dia de festa,
e a modelo está devidamente aprumada. Seu penteado é como um labirinto sedutor,
que “aprisiona” homens apaixonados por uma mulher tão altiva, monumental como
se fosse feita de mármore. As linhas retas cubistas tomam conta da cena, e as
flores e Jacqueline são um só ser. Seu nariz é reto, impondo-se. Sua boca é
mínima e recatada, como a pequena boca de uma gueixa. Jacqueline e Picasso
querem ser respeitados. E podemos ouvir em canto de grilo no canteiro de
flores.
Acima, As Senhoritas de Avignon. Um harém de belas mulheres, todas à
espera de seu faraó, na tarefa de produzir um herdeiro do sexo masculino, para
este menino se tornar homem e reinar com senhor do Egito. Todas as cinco estão
nuas, como as Spice Girls, que seduziram o Mundo na proposta de “poder
feminino”. Todas as senhoritas aqui, neste quando, são como ninfas em uma casa
de banho, dentro da qual não há sexualidade, e umas estão à vontade frente à
nudez das outras. Todas são belas, de cinturas finas, e seus seios são
monumentais, no auge de sua beleza. Seria este um harém imaginário do próprio
Picasso, catarseando aqui uma luxúria? São como as esposas de Henrique VIII, o
qual se casou com várias mulheres na obsessão de produzir um herdeiro homem.
Todas as mulheres aqui têm descomunais olhos de alienígena, no modo como um
artista se sente como um alienígena que veio à Terra, buscando se expressar em
uma esfera que tanta dificuldade tem para entender a Arte de um determinado
artista. É a trajetória existencial artística – encontrar-se em um Mundo tão duro e
incompreensivo, assim como Jesus, em vida, foi altamente mal interpretado. As
mulheres estão em movimento, em poses sensuais, como se estivessem debaixo de
um chuveiro, tomando um banho coletivo. Podemos ouvir os murmúrios de suas
conversas, e elas estão se banhando para encontrar-se depois com o marido, o
senhor do harém, em fêmeas que têm a simples função de ser úteros reprodutores,
no modo como o machista vê a mulher como mera reprodutora, e a feminista vê o
homem como mero reprodutor – dois lados para cada moeda. Todas as mulheres aqui
olham para o espectador, e algumas parecem ter máscaras de artesanato, talvez
africano, como na soberba coleção africana do Met. Junto na cena há toalhas brancas
e translúcidas, secando seus corpos e tornando-se vestes improvisadas. Ao fundo
no quadro, vemos janelas que têm vista para um paradisíaco céu azul,
intercalado por nuvens de alva pureza. As mulheres aqui parecem ser todas
virgens, e nenhuma parece ainda ser mãe, na obrigação do faraó de coitar com
todas elas, numa ironia, pois, apesar do faraó ser tão sumamente poderoso, tem
este peso sobre as costas, o peso de ser pai de um homem. Mais abaixo na cena,
uma pequena fruteira, a qual, deliciosa e suculenta, representa uma certa
luxúria da parte do faraó, o qual, apesar de ter sexo “obrigatório”, não deixar
de estar excitado com a perspectiva de tem um harém, tendo na Virgindade uma metáfora
da Dimensão Metafísica, onde tudo é limpo e imaculado. Cada mulher aqui é uma
bolinha de uva, compondo um cacho, um harém. A melancia cortada ao meio é o
harém sendo desbravado e desvirginado, e há competitividade, pois cada mulher
ali quer ser a mãe do próximo faraó, e esta mulher sortuda, nesse status, subirá
na escala social – é a ambição humana. Estas mulheres de Picasso parecem ser
pacotes de presente sendo abertos, no prazer da violação de um pacote de
presente, o qual é aberto e desvirginado, trazendo algo precioso dentro de si.
Cada mulher aqui é um objeto, um pacote de presente sendo aberto, num Picasso
fazendo catarse e, assim, respeitando as mulheres, no poder terapêutico da
Arte. Apesar de cada mulher aqui ser ela mesma, as cinco formam um só harém.
Todas estão no auge da beleza, e, assim que entram em período fértil, o faraó é
convocado para fazer sexo com elas. Será que existe hierarquia neste harém?
Certamente. A mulher mais ao centro é a principal, causando inveja às demais,
em joguinhos de vaidades e intrigas dentro do harém, tendo uma querendo
arruinar a outra, numa verdadeira selva. A cena é uma revelação, revelando algo
que estava escondido, na defloração do Feminino. Estas mulheres são deliciosas
como as frutas da cena, chamando a atenção por sua elevação social, sendo
escaladas para o harém, no qual não há espaços para mulheres comuns, do povo. É
um conjunto privilegiado, do modo como fica difícil imaginar vida mais
enfadonha do que a vida de mulher de harém. Cada uma destas mulheres quer
seduzir o faraó, tornando-se a Grande Esposa Real, como o foi Nefertiti, a qual
só deu filhas mulheres ao faraó, o qual produziu um herdeiro homem por meio de
uma esposa secundária do harém.
Acima, Mulher no Espelho. O espelho é o símbolo de Feminilidade, como no
Espelho de Galadriel, que tinha poderes mágicos para ver passado, presente e
futuro. A mulher aqui está grávida, e está se olhando em um espelho de formato
oval, como o ovo que traz a vida nova, numa barriga que gera um filho, no poder
feminino de conceber. É como Narciso, seduzido pelo próprio reflexo e, assim,
morrendo. Este quadro tem vários círculos, como esferas de planetas e luas, e
os seios da mulher são perfeitamente redondos. Com a ajuda do espelho, podemos
ver todas a faces e ângulos da mulher, a qual abraça a si mesma, num processo
autocognitivo, em que a pessoa enxerga a si mesma, descobrindo seu próprio
papel do Mundo. O quadro todo é bem colorido e alegre, e a estampa ao fundo
remete a escamas de peixe, como uma Vênus de Botticelli nascida do Mar, no odor
oceânico que seduz marinheiros, com sereias que seduzem e aprisionam, num mito
um tanto misógino, como a culpa que Eva teve ao trazer a discórdia à Humanidade.
Podemos aqui sentir o cheirinho de peixe fresco, num delicioso salmão ao molho
de maracujá. As escamas são como armaduras, trazendo proteção ao frágil
Feminino, o qual, sem proteção, torna-se vulnerável e é violentado por
criminosos covardes. A mulher aqui é voluptuosa e deliciosa, e seu rosto é
revelado de vários ângulos. Seu rosto é redondo como a Lua, trazendo uma
monumental Lua Cheia, a qual exerce fascínio desde sempre: Por que a Lua é tão
inconstante e o Sol tão constante? Aqui, na mulher, vemos o Yin e o Yang, e Sol
e Lua, apesar de serem tão diferentes um do outro, têm o mesmo diâmetro quando
vistos da Terra, numa ironia – são tão iguais e tão diferentes. Esta mulher, ao
se olhar no espelho, quer se conhecer melhor, quer saber quem ela mesma é, quer
saber qual é o seu lugar no Mundo, quer saber absolutamente tudo de si mesma, e
este é o poder da Arte – fazer com que o artista saiba de si mesmo. E este afã
cubista em revelar todas as faces de um só corpo é o afã desta mulher, a qual
quer se desdobrar e se descobrir, sem deixar qualquer parcela de mistérios ou
escuridão, trazendo conhecimento, iluminação. Esta cena é como um camafeu aberto,
o qual revela uma foto da mãe e outra do pai, trazendo o Feminino e o Masculino,
os quais, complementando-se, reinam como Tao, o Uno, que não é o melhor
caminho, mas o ÚNICO caminho, do modo como todos viemos do mesmo útero
imaculado. E este é o útero desta mulher, uma bolsa que se revela em todas as
suas nuances, formas e cores, num caleidoscópio mágico e colorido, na magia das
cores de um cristal puro e translúcido, como a Matéria Escura, que une o
Universo. Essa transparência é a da mulher neste quadro de Picasso, e a mulher
é exposta em todos os seus detalhes, surgindo, então, a Beleza, a qual, ouvi
numa canção, tem que brotar na Luz. Pois a Luz é a Mãe da Beleza, no termo
latino Lux, que remete a conceitos
como luz, luxo e leveza, no poder da Dimensão Metafísica, o lugar que não
existe em lugar algum da Dimensão Física; só existe em pensamento, no modo como
o Ser Humano evoluiu ao começar a produzir pensamento. O irônico é observar o
reflexo desta mulher tem cores e formas diferentes da mulher em si, e o que era
para ser um mero reflexo torna-se uma explosão de cores, trazendo diversidade,
numa mente fértil como a de Picasso. Fértil como o útero aqui retratado.
Acima, Mulher Chorando. A mulher está ansiosa, roendo as unhas. Podemos
ver todas as faces de sua angústia, num Picasso catarseando todo um sentimento
de desolação e abandono. Podemos ouvir o choro desesperado, apesar de não
sabermos exatamente o porquê de tal pranto. Será por luto? Será por uma
decepção amorosa? Será por uma mulher que se sente maltratada? Sua boca está
aberta ao chorar, e seus dentes revelam um sorriso frio. Seu semblante é
triste, com olhos caídos. Os olhos são dois diamantes que brilham frios em um
céu noturno desolado, dolorido. Aqui, Picasso se debruça sobre a tristeza feminina,
tentando entender o choro de uma namorada, nos meandros dos sentimentos de uma
mulher, um tanto enigmáticos para o artista. Seus cabelos negros são de um
negror imprevisível, num luto, num dia escuro que pouco reconforto traz.
Estaria a mulher em luto por um ente querido? É o escuro do interior de um
caixão lacrado, no negror do Umbral, do Inferno de Dante, no qual não há um
pingo de luz, mas escuridão e desolação. Os cílios da mulher são duas aranhas
assustadoras, que tecem suas teias de sedução para envolver moscas distraídas,
no labirinto em que o Minotauro reina absoluto, alimentando-se de pessoas
perdidas em seus meandros. Neste quadro, a cor preta é muito importante, pois é
a cor que define formas e limites, num Picasso que encontra sentido na Arte,
sentido na definição existencial, debruçando-se sobre o Feminino, tentando
entender as mulheres e os sentimentos destas, fazendo da Arte uma lupa, que vê
a mulher de perto. Todas as faces da mulher aqui estão expostas, sem chances
para mistérios, num Picasso que é um detetive em um romance policial, sempre
desvendando mistérios, sempre vendo quem é o assassino, numa aurora
esclarecedora, iluminadora. Os dedos da mulher são grandes, como os dedos de
Tao, o artesão primordial que criou tudo. As sobrancelhas estão arqueadas,
tristes. Sobre a cabeça da mulher, um arranjo exótico e colorido, contrastando
com tamanha tristeza, como no arranjo capilar de uma Frida Kahlo, trazendo
fertilidade e criatividade. É um arranjo com joias de variadas cores, tropical,
exuberante, coroando uma cena tão triste e aterradora. É uma cena de ruptura,
talvez de uma mulher sendo agredida pelo namorado, numa mulher que, apesar de
amar este, sente que o correto a fazer é deixar o mesmo. Os cabelos da mulher
são o curso de um rio, sempre fluindo, sempre alimentando vales, na tarefa da
Natureza de nutrir seus filhos, como uma cadela amamentando a prole, sempre
dando tudo pelos próprios filhos, como uma mãe zelosa, que sempre faz tudo
pelos filhos, num Picasso zeloso, que se tornou mãe de sua própria obra, sempre
com amor, sempre com esforço e zelo. Há uma porção neste quadro que é em preto
e branco, na realidade nua e crua, sem cores, do dia a dia de uma mãe, a qual
tem que zelar pela prole e, ao mesmo tempo, amar a si mesma. É um desafio. Na
porção inferior do quadro, tons negros imprevisíveis: O que acontecerá com
minha prole no futuro? Na porção superior, tons dourados, na glória de uma mãe
amorosa, que sabe que, sem ela mesma, sua prole nada é. É o sentimento de amar
que um artista tem em relação à própria obra, sentindo-se vazio quando um
quadro é doado ou vendido, como me disse uma pessoa, a qual me descreveu que,
quando sua filha casou e saiu de casa, essa pessoa me disse que a sensação com
que ficou foi a de que um braço dessa mesma pessoa foi levado embora. As tristezas
são naturais na Vida; os sentimentos de perda, também. Picasso tenta expor toda
essa angústia, num labirinto de fliperama, cheio de etapas e percalços, que
acabam delineando o sentido da Vida – ingresse neste baile e cresça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário