Conheci Genoveva Finkler há
alguns anos, na mostra que ela montou na Casa de Cultura de Caxias do Sul. A
mostra abrangia figuras de pássaros, uma paixão nítida de Genoveva. No mesmo
momento, Genoveva prestigiou uma palestra do Instituto Cultural Emilio Sessa, o
ICES, na Igreja de São Pelegrino, recebendo, depois disso, membros do instituto
na Casa de Cultura. Na mostra, Genoveva foi simpática e perguntou meu nome, e
eu disse que este era fruto do nome de um personagem de Eça de Queiroz.
Genoveva gosta de interagir com as pessoas. Os textos e análises semióticas a
seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, Sem Título (I), técnica de aquarela, parte da exposição Avis. As corujas estão atentas,
despertas, tensas, como se soubessem que um perigo ronda seus ninhos, na
expressão “pai coruja”, que fica acordado esperando que os filhos retornem da
balada. É como Tao descreve o líder sábio, sendo este hesitante, altamente
cuidadoso, como se soubesse que há perigo em todo lugar. É o instinto de um
animal, extremamente tímido, que só sai da toca quando está certo de que não há
um predador à espreita. Os bicos pontiagudos são agressivos, prontos para
rasgar a carne de presas, como ratos que viram lanche em uma fração de segundo,
nas leis da Natureza, as quais tanto influenciam o Ser Humano. Aqui, cada
coruja olha para um lado, unindo-se para que haja uma visão abrangente do campo
de batalha, numa sociedade, em que indivíduos fazem uma divisão de tarefas, e
cada um é responsável por algo importante, como num casamento, em que o casal
se une e cada um faz sua parte para manter o lar bem provido e organizado, como
num ninho de corujas, em que os pequenos são alimentados pelos pedaços de carne
que vêm da boca do pai ou da mãe, exatamente como acontece no Ser Humano, com a
diferença de que, nas corujas, o bebê cresce a abandona os pais; na Humanidade,
os laços de família não se dissolvem, nem mesmo com o Desencarne – a
instituição Família é indestrutível, sendo uma fortíssima base de referência
eterna para o indivíduo encarnando ou desencarnado. Essas corujinhas têm pés de
unhas afiadas, auxiliando na tarefa de caçar, agarrando as presas com garras
afiadas, agressivas, próprias para a caça, para a luta pela Vida, do modo como
o Ser Humano, em outro sentido, também sai em busca da luta pela Vida, e aquele
que não luta, perece; desaparece. Como me disse uma médium espírita: Deus não
quer que nós nos atiremos nas cordas. E a luta do dia não começa no momento em
que temos que sair de uma cama quentinha e confortável? Essas corujas são uma
família, talvez seres de uma mesma ninhada, no sentido da Igualdade, da
Fraternidade, no modo como “Pai” e “Mãe” são termos para que o Ser Humano
entenda como Tao gera seus filhos, sendo Masculino e Feminino caminhos
diferentes que levam ao mesmo destino, ou seja, tanto faz se rezamos para o Pai
ou para a Virgem Maria – dá no mesmo. As corujinhas têm penas luxuriantes,
fofinhas, agradáveis ao toque, como numa Mulhergato, que combina a sensualidade
macia felina com as garras agressivas e ferinas. Atrás das corujas, vemos uma
estampa vegetal, o pano de fundo que é a Natureza, unindo ao redor do globo
seres que respiram e vivem em comunidade, numa cadeia alimentar, como numa
cadeia de reciclagem, num sistema em que cada ator tem seu papel, nos mistérios
da Vida: Por que umas pessoas se dão tão bem e outras pessoas se dão tão mal? É
um mistério insondável ao Ser Humano, e a este só resta viver e tocar o barco
para frente, na coruja lutando para capturar um rato distraído, no sentido
genético que os espertos passam seus genes para a frente, para as próximas
gerações. Essas aves, em seu trabalho conjunto de vigia do terreno, unem-se e
tornam-se um mesmo organismo, como nos animais cujos olhos dão uma visão de 360
graus do “campo de batalha”. As corujas não têm a mesma estatura, como numa
família com filhos de várias idades, e ao mais velho resta a tarefa de ajudar a
cuidar do ninho. São os olhos de uma Genoveva atenta, na “tensão” do olhar
artístico, que observa o Mundo.
Acima, Sem Título (II), técnica de aquarela, parte da exposição Avis. É um close up, um encaramento, um
olhar sério, de um indivíduo que resolveu encarar a Vida de frente, adquirindo,
assim, o controle sobre a própria vida, não mais permitindo ser guiado por
outrem. Há pessoas que desenvolvem gradualmente a agressividade; outras,
repentinamente. É uma ave bela, com olhos pétreos, que encaram o espectador,
deixando este quase “desconfortável”, “invadido”, na eterna tarefa da Arte –
mexer com as pessoas; mexer com as percepções do indivíduo. E não é pseudoarte
aquilo que é ignorado pelo espectador? Os traços de Genoveva delineiam as penas
do bicho, como numa majestosa vitória régia, ou um majestoso cavalo, criações
que dão um indício de que, realmente, temos que crer em uma Inteligência
Suprema Criadora. Do contrário, qual o sentido de todas as
dimensões do Universo? As aves representam a Liberdade, no prazer que temos
naqueles sonhos em que sonhamos que plainamos e voamos, sendo errado ter
sentimento de culpa em relação a prazeres – o Bem é sempre agradável. Podemos
ouvir o som de pássaros cantando, na orquestra da Vida, de um lugar cheio de
vida, como no filme Nosso Lar,
quando, numa cidade espiritual, ouvimos o canto de pássaros. É a certa magia da
Natureza, e esta é um sinal, uma cópia tosca da vida melhor que nos espera após
o óbito carnal. Os olhos desta ave são de um negror profundo, denso e
insondável, num mistério, numa noite que, apesar de negra, é bela em seus céus
estrelados. Esta ave é de um tom cinzento, como nas cinzas vestigiais após um
fogo ardente, numa Quarta-feira de Cinzas, no momento em que a festa acaba e o
indivíduo tem que voltar a encarar a Vida e a batalhar por esta. Cinza é uma
cor discreta, uma cor que rejeita cores extremamente alegres. É uma cor que se
depara com uma dualidade barroca: luz e sombra. Como num dia encoberto, em que
não sabemos quem é mais forte: a Luz ou a Escuridão. Como no Castelo de Grayskull,
o Castelo da Caveira Cinza, lugar disputado entre os seres do Bem e do Mal. A
boca desta ave tem um formato de cruz, que remete a um homem pobre que mudou o
Mundo. A Cruz é uma passagem, um lugar pelo qual todos temos que passar. É uma
referência metafísica, uma referência que despreza profundamente homens que
enganam, exploram e lesam pessoas ignorantes. Esta ave tem um rosto belo,
proporcional, equilibrado. Tem a fotogenia de uma supermodelo, num charme e uma
beleza de arrebatar o Mundo, pois é considerado belo tudo aquilo que mostre que
o Ser Humano é algo além de um símio racional – é um ser estelar, mental,
metafísico. Entre os olhos desta ave e no fundo do quadro, uma coloração
alaranjada, na cor sedutora de um vistoso pôr do Sol, num momento em que a
Natureza nos dá uma ligeira impressão do que é a beleza do plano acima. Este
quadro traz a majestade da Criação, na necessidade do Ser Humano de entender e
amar o Universo. Estes olhos negros nos puxam para dentro do quadro,
seduzindo-nos para observarmos o Mundo pelos olhos de Genoveva, uma adoradora
da Natureza.
Acima, Sem Título (III), técnica de vime e trama. Formidável a ideia de
Genoveva de colocar uma lâmpada incandescente no interior desta aranha. A luz é
o mistério da Vida, na força enigmática que faz um coração pulsar. Temos aqui
uma metalinguagem: artesão falando de artesão. A aranha é uma artesã, que tece
sua teia e espere que nesta caia uma mosca desavisada. Por outro lado, é uma
“teia” tecida pelas mãos de Genoveva, remetendo à técnica difundida de
artesanato de vime. Vemos aqui a força das mãos da artista, numa teia que deve
ter demandado um trabalho intenso, como o da incansável aranha. Esta cena faz
metáfora com os vampiros parasitas psicopatas: o assassino tece sua teia, e tem
uma posição passiva, pois, cedo ou tarde, uma “mosca” masoquista, que gosta de
ser enganada e sugada, cairá na teia ardilosa, na teia manipuladora, e, uma vez
ali caindo, é só questão de tempo até a aranha fazer uma farta refeição. A teia
é o labor, a obra, aquilo que o artista deixa no Mundo. É um trabalho de
paciência, de dedicação. A aranha tece calmamente, sem sobressaltos, sem
pressa, como se soubesse que Roma não foi erguida em um dia só. A teia é uma
espécie de mandala, e parece girar como um relógio, na finitude de tudo
relacionado à Dimensão Material. O centro é vazio, pois a sensualidade reside
exatamente neste vazio, pois é o vazio que faz uma porta útil, e Tao é isso: um
grande portal do qual tudo vem, no mistério da Criação. A luz que vem de dentro
da aranha é o gênio artístico, que já nasce com a pessoa, e uma pessoa
sensível, que assim nasceu, não precisa que lhe ensinem o que é sensibilidade:
o artista simplesmente é assim, sem premeditação. É um instinto, como no
instinto da aranha sedutora, brilhando na inteligência, como um vagalume, dos
mistérios que movem a Vida. Esta luz que Geno entranhou na aranha elimina
quaisquer aracnofobias, e o espectador não fica amedrontado ou paralisado pela
aranha. Esta é a luz dentro da mente de um artista, uma luz infindável que faz
brotar intermitente criatividade – nenhum artista leu num livro como ser
criativo, pois cada pessoa tem que, por si mesma, aprender Tao; aprender o que
é criar. A teia faz metáfora com tramas literárias, com histórias que fazem com
que personagens passem uns pelas vidas dos outros, no modo como a poderosa
Divina Providência trama as sortes e destinos do indivíduo, visando um só
objetivo – o aprimoramento moral. Pois não é a imoralidade a mãe de todos os
flagelos humanos? A Humanidade não precisa se aprimorar e se tornar mais
perfeita, mais materialmente desprendida? Geno fez questão de dependurar a teia
no teto, para que o espectador se sentisse, de fato, frente a uma obra da
Natureza. Esta teia parece uma roleta, girando sempre, sempre ditando as sortes
dos indivíduos. A teia é pegajosa, ou seja, envolvente, como um artista envolve
o espectador nessa teia. O espectador se sente uma mosquinha, a qual, por
sabedoria, tem que se manter longe da teia, pois, do contrário, vai virar lanche.
Essa aranha iluminada seduz, e nos dá vontade de cair na teia. O centro da teia
parece ser uma boca esfomeada, como nos aterrorizantes monstros de Tolkien. É
uma boca que nunca está satisfeita, como na Sociedade de Consumo, que quer
fazer com que o indivíduo nunca se sinta satisfeito nem feliz. No Consumismo,
quem não consume é desprezado. O que é bom, fazendo com que este indivíduo não
consumista tenha, finalmente, Paz, pois é da Paz que vem o sentimento de saciez:
se não estou o tempo todo querendo coisas e mais coisas, posso estar quieto e
feliz, satisfeito como que tenho. A aranha é essa fome infindável, sempre
querendo mais, como um vampiro viciado em sangue. A luz acesa na aranha é essa gana, esse
impulso, num dos instintos mais primordiais – a Fome. Dizer “Isto é o bastante”
cala essa boca insaciável, e a Paz, finalmente, pode acontecer. O meio desta
teia é um buraco negro, ou o centro de uma galáxia, numa força gravitacional
implacável, sugando o espectador, tendo no artista uma releitura dessas
poderosas forças cósmicas. É a água caindo pelo ralo de uma pia, esvaziando a
pia e trazendo a simplicidade do contentamento. É um canal pelo qual fazemos um
ato básico animal – a defecação. É um canal que tem que estar sempre aberto,
sempre desobstruído, sempre fazendo a Vida fluir, sem interrupções que possam
quebrar o ritmo. É a força das mãos de Genoveva, numa artista querendo preencher
espaços, na forma gravitacional de um centro galáxico. As pernas delgadas da
aranha são o refinamento, a polidez minimalista, em pernas que, apesar de ter
uma aparência frágil, são fortíssimas, pois o fino singelo derrota o grosso excessivo.
Podemos ver a aranha se mexendo pela própria obra, e podemos ouvir seus
discretos passos como cordas de violão sendo tocadas. É o fascínio do super
herói Homem Aranha, um ser humano que passou por uma mutação. Arte é isso – faz
com que o espectador passe por uma mutação e, uma vez tendo passado por uma boa
obra de Arte, o mesmo espectador jamais será o mesmo. A teia de Genoveva nos
envolve e nos deixa “presos” à mente criativa. Dá para imaginar o trabalho que
deu transportar esta obra do atelier à galeria. Esta aranha é uma Galadriel, ou
seja, os mistérios femininos iluminados, elucidados.
Acima, Sem Título (IV), técnica de vime e trama. Esta instalação ficou na
entrada da galeria caxiense, cujas escadarias ascendentes nos convidam à
elevação mental. Aqui, voltamos a ver uma teia e uma aranha, mas, desta vez, a
aranha não está iluminada internamente, numa perspectiva mais sombria, mais
sinistra – conheço uma pessoa que é altamente aracnofóbica. A grande teia
extrapola limites, quase não cabendo no espaço limitado. As escadas dialogam
com a teia, e o espaço se torna um só. A teia é um tanto taoista, pois o centro
vazio faz metáfora com o enigma do vazio, e este é a fonte da utilidade, do
propósito. A aranha parece desfilar pela teia, e é o Pequeno Príncipe em seu
pequenino reino, como um artista se torna rei e soberano de seu próprio
atelier, espaço no qual tudo é do jeitinho do artista, numa espécie de campo
onde a fazedor de Arte se sente absolutamente livre e a vontade, como na
sensação redentora de chegar na praia e calçar um par de chinelos – é uma
libertação, fazendo metáfora com o Desencarne, num autêntico retorno ao Lar,
aos jovens amigos imortais. Aqui, parece que a galeria foi tomada pelas aranhas
de Genoveva, mas isto não nos convida a destruir as teias – bem pelo contrário,
o que me lembra de uma ecologista que conheci, e esta não me deixou destruir
uma teia de aranha em um pequeno mato. Ao fundo à esquerda, os armários nos
quais os visitantes da biblioteca têm que guardar seus pertences, e a aranha é
assim – vai guardando os insetos que caem em sua teia, sendo uma caçadora
ardilosa, que sabe esperar até colher os frutos de sua persistência, pois não é
importante, ao se ter talento, persistir neste mesmo talento, nesse mesmo
propósito? Os armários convidam o espectador a se despojar e a deixar para trás
bens materiais, mergulhando na teia e permitindo que suas próprias tripas sejam
devoradas, num ato de entrega, entregando-se aos olhos de Genoveva. Um jato de
luz cai quase sobre o centro da teia, na sabedoria em tecer uma teia que,
apesar de frágil, é forte, como na metáfora taoista da árvore ao vento: aquela
árvore que se curva ao vento, sobrevive. Portando, curve-se e seja humilde. A
aranha está acostumada a não ver seu próprio labor ser reconhecido, mas a
aranha Genoveva teve a força para superar isso, sendo, enfim, reconhecida, não
mais sendo ignorada por um Mundo tão frio e indiferente – é um baita desafio.
Abaixo, uma mesa com um tecido que parece ser estopa, numa malha tecida assim
como a teia tecida, num registro de labor. Em cima, um objeto que, creio eu,
serve para captar as uvas assim que elas são ceifadas da videira, no trabalho
de formiguinha que é uma colheita de uvas, com as abelhas contentes, rondando
doces bagos de uva no parreiral. É uma alusão sutil à Festa da Uva, um momento
em que a comunidade esquece suas diferenças e atritos, unindo-se para celebrar
a Vida. E esta aranha é Vida, num ser guerreiro, que batalha para obter as
coisas da Vida. E este objeto de colheita não está exatamente no meio da mesa,
estando recatado, discreto e humilde, nunca querendo se apossar de tudo e
todos. E, como diz Tao, aquele que nada quer, tudo tem. É uma charada, e o
arrogante tropeça no próprio passo, natural e inevitavelmente. E eis que o
trabalho, a necessidade de laborar, invade com força a Vida dos indivíduos. Não
tente fugir da aranha!
Acima, Sem Título (V), técnica de lápis de cor, parte da exposição Avis. O perfil mostra um animal
agressivo, como na águia, símbolo dos EUA, num bicho que combina dois valores
bem americanos – liberdade e agressividade, numa nação que se acostumou a ser o
“xerife” do Mundo; em ser o dono da “bola” e do “campinho”. Podemos ouvir o
canto da águia, com suas paladinas asas cruzando os céus de uma nação livre,
rechaçando ao máximo os sistemas ditatoriais, os quais resultam em falta de
liberdade, de bem estar ao cidadão. Com o lápis na mão, Genoveva revela um
trabalho meticuloso, com cada tracinho revelando a majestade de um bicho tão
belo e inspirador. A águia está de boca aberta, cantando, talvez faminta por
uma presa, seja uma cobra, ou um rato, ou um sapo. É a luta pela Vida, pelo
alimento de cada dia, na oração que pede a Deus que o pão nosso de cada dia
esteja garantido. Podemos ver sutilmente a língua da águia, saboreando uma
presa, e talvez levando nacos de carne para seus filhotes no ninho, e este é um
lugar seguro, retirado, a salvo de predadores engraçadinhos que queiram se
esbanjar na carne dos filhotes, e estes só poderão sair do ninho quando
aprenderem a voar, a se sustentar com suas próprias asas – é o desafio da Vida.
O bicho corta o quadro de ponta a ponta, numa Genoveva inspirada pelas riquezas
e belezas biológicas. O olho da ave está aberto e atento, numa visão muito
melhor do que a visão humana, numa ave que pode observar presas a uma longa,
longa distância, com olhos aguçados, frutos de um processo evolutivo que fez
com que as seres de pouca visão perecessem, não permitindo que as aves “míopes”
pudessem transmitir seus genes para as gerações seguintes. Um orifício no bico
é a narina da águia, parecendo que a ave levou um tiro de caçador, tendo se
recobrado de tal ferimento e superado as vicissitudes, tocando a Vida para a frente.
Ao fundo no quadro, um céu azul um pedaço de árvore, talvez o lugar que a águia
escolheu para tecer seu ninho, no cuidado de construir um lar protetor, no
instinto de Maternidade. No olho do bicho, Genoveva revela seu traço, e, ao
olharmos para o olho, temos a impressão de dialogarmos com o bicho, na beleza
de olhos puros, sem as vaidades e arrogâncias humanas – Deus não inventa o
Ódio, pois este é um capricho humano. A águia se revela simples em sua Vida, cuidando dos
afazeres do dia, vivendo seus dias com placidez e instinto, sem reclamar pelo
fato de que é necessário lutar pela Vida. O bico agressivo da águia foi
desenvolvido pela Evolução, para que a ave possa fisgar as presas, como num
agressivo anzol de pesca, usando-se uma isca para enganar um peixe desavisado.
As penas do bicho são macias e afáveis, convidando-nos ao toque delicado e
reconfortante, mas não chegue muito perto! É um bicho com instinto de caça,
entalhado na luta diária por comida. É um bicho que exige respeito, pedindo-nos
para que não demos murro em ponta de faca, e é como os EUA, uma nação amigável
mas que, se provocada, irá à Guerra. E quem quer guerrear contra a nação mais
poderosa do Mundo? Esta águia parece uma figura de perfil de moeda, numa figura
altiva e orgulhosa, como se soubesse que é bela e austera. Olhando o bicho de
frente, talvez não perceberíamos o formato agressivo do bico, e é por isso que
Genoveva optou por nos mostrar o bicho de perfil, para que pudéssemos observar
o falo faminto, no charme que existe em pessoas narigudas. Genoveva nos
recomenda a observar a águia a distância, como se o animal fosse um solado
armado – nunca o provoque, rapaz!
Acima, a artista com suas obras.
O próprio cinto de Genoveva dialoga com a arte em tranças. Será que
Geno usou o cinto (in)conscientemente? Nesta foto, vemos algumas “colunas” de
artesanato, como se fossem o resultado de uma colheita, de um esforço. A obra
mais ao fundo, que tapa uma visitante da mostra, parece uma colmeia ou um
cupinzeiro, cheio de Vida, cheio de incessante labor, um banquete para
predadores que gostam de insetos, como pelas línguas pegajosas de tamanduá.
Genoveva celebra a beleza e a força da Vida. Essas formas remetem à seção
africana do Met de Nova York, num apelo que mexe com a cabeça do espectador.
Aqui, nessas casas cheias de Vida, podemos ouvir o mínimo som de labor, com
seres subindo e descendo, exercendo seus papéis nessa comunidade, no modo como
um artista busca ter um papel no Mundo. Genoveva revela ter alma de artesão, na
capacidade de transformar objetos, fazendo com que um impessoal vime vire obra.
Essas colunas sobem a galeria do chão ao teto, como se sustentassem a casa,
como nos enigmáticos pilares vermelhos do MASP. São como árvores que nasceram
do piso de porcelanato, transformando a galeria em uma pequena mata, como certa
vez, em um mato de Gramado, observei um tucano – é a beleza da Vida, algo
incomum para quem vive em
urbes. Aqui, Genoveva sorri satisfeita, colocando-se de lado,
nunca querendo ocupar o centro, ou seja, nunca querendo aparecer mais do que a
própria obra, num exercício de discernimento e discrição, pois não é
insuportável o showman, o exibido,
que quer aparecer mais do que o próprio trabalho? A instalação mais ao fundo
faz um efeito com o piso reflexivo, parecendo que se entranham no chão raízes
profundas, sustentando a árvore, alimentando-se de águas subterrâneas. Pequenas
formas brancas enfeitam o arranjo, como jabuticabas, ou como uma colônias de
seres, talvez insetos, apoderando-se da árvore. São colunas de Vida que brotam
do chão, sempre lutando para respirar, sempre competindo por um lugar ao Sol,
na inevitável competitividade da Existência. Só que, quem é único, com ninguém
precisa competir, e é essa a luta por identidade de um artista – ser único e
inconfundível. Identidade. A coluna ao lado de Genoveva aqui tem uma espécie de
coroa de espinhos, que martirizaram o Salvador, só que esta coroa de Geno não
tem espinhos, como arestas que foram aparadas, elaboradas. É a coroa na cabeça
de Cristo depois do Desencarne, ou seja, no Plano Espiritual, Jesus veste sua
majestosa coroa, sequer se lembrando dos dolorosos momentos de martírio. É como
uma roseira sem espinhos, pois, na Dimensão Material, os espinhos servem para
barrar seres que queiram matar a rosa. Já, na Dimensão Metafísica, não há predadores,
sendo então que aos espinhos não mais são necessários, pois no Plano das Ideias
a pessoa não precisa mais se preocupar com o que comer, com o que vestir, com onde
morar, com a passagem do Tempo etc. Esta coroa é como o cinto de Genoveva,
trazendo disciplina, comedimento. A artista, nesta foto, quase se esconde por
trás da própria obra, numa timidez que revela uma mente profunda, que sabe o
valor da Discrição. Aqui, não podemos ver as mãos da artista, as responsáveis
por tal mostra. E vem à mente a pergunta se Genoveva gosta de fazer tricô,
crochê, bordados etc. Como as mãos de um pianista, pois estas são as
responsáveis pelo labor de um artista. É um trabalho de paciência, de uma mente
centrada, e podemos ver a intenção de diversidade, ou seja, de uma artista que
não quer se repetir, transitando tranquilamente entre pinturas e instalações,
como numa artista completa como Fernanda Montenegro, a qual transita entre
Teatro, TV e Cinema. Genoveva se torna uma anfitriã, recebendo-nos em sua mente
por meio de seu trabalho, na capacidade de expressar, de vomitar catarses.
Gostei muito da Arte de Geno e também do texto. Parabéns!
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