quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Genoveva Genial



Conheci Genoveva Finkler há alguns anos, na mostra que ela montou na Casa de Cultura de Caxias do Sul. A mostra abrangia figuras de pássaros, uma paixão nítida de Genoveva. No mesmo momento, Genoveva prestigiou uma palestra do Instituto Cultural Emilio Sessa, o ICES, na Igreja de São Pelegrino, recebendo, depois disso, membros do instituto na Casa de Cultura. Na mostra, Genoveva foi simpática e perguntou meu nome, e eu disse que este era fruto do nome de um personagem de Eça de Queiroz. Genoveva gosta de interagir com as pessoas. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Sem Título (I), técnica de aquarela, parte da exposição Avis. As corujas estão atentas, despertas, tensas, como se soubessem que um perigo ronda seus ninhos, na expressão “pai coruja”, que fica acordado esperando que os filhos retornem da balada. É como Tao descreve o líder sábio, sendo este hesitante, altamente cuidadoso, como se soubesse que há perigo em todo lugar. É o instinto de um animal, extremamente tímido, que só sai da toca quando está certo de que não há um predador à espreita. Os bicos pontiagudos são agressivos, prontos para rasgar a carne de presas, como ratos que viram lanche em uma fração de segundo, nas leis da Natureza, as quais tanto influenciam o Ser Humano. Aqui, cada coruja olha para um lado, unindo-se para que haja uma visão abrangente do campo de batalha, numa sociedade, em que indivíduos fazem uma divisão de tarefas, e cada um é responsável por algo importante, como num casamento, em que o casal se une e cada um faz sua parte para manter o lar bem provido e organizado, como num ninho de corujas, em que os pequenos são alimentados pelos pedaços de carne que vêm da boca do pai ou da mãe, exatamente como acontece no Ser Humano, com a diferença de que, nas corujas, o bebê cresce a abandona os pais; na Humanidade, os laços de família não se dissolvem, nem mesmo com o Desencarne – a instituição Família é indestrutível, sendo uma fortíssima base de referência eterna para o indivíduo encarnando ou desencarnado. Essas corujinhas têm pés de unhas afiadas, auxiliando na tarefa de caçar, agarrando as presas com garras afiadas, agressivas, próprias para a caça, para a luta pela Vida, do modo como o Ser Humano, em outro sentido, também sai em busca da luta pela Vida, e aquele que não luta, perece; desaparece. Como me disse uma médium espírita: Deus não quer que nós nos atiremos nas cordas. E a luta do dia não começa no momento em que temos que sair de uma cama quentinha e confortável? Essas corujas são uma família, talvez seres de uma mesma ninhada, no sentido da Igualdade, da Fraternidade, no modo como “Pai” e “Mãe” são termos para que o Ser Humano entenda como Tao gera seus filhos, sendo Masculino e Feminino caminhos diferentes que levam ao mesmo destino, ou seja, tanto faz se rezamos para o Pai ou para a Virgem Maria – dá no mesmo. As corujinhas têm penas luxuriantes, fofinhas, agradáveis ao toque, como numa Mulhergato, que combina a sensualidade macia felina com as garras agressivas e ferinas. Atrás das corujas, vemos uma estampa vegetal, o pano de fundo que é a Natureza, unindo ao redor do globo seres que respiram e vivem em comunidade, numa cadeia alimentar, como numa cadeia de reciclagem, num sistema em que cada ator tem seu papel, nos mistérios da Vida: Por que umas pessoas se dão tão bem e outras pessoas se dão tão mal? É um mistério insondável ao Ser Humano, e a este só resta viver e tocar o barco para frente, na coruja lutando para capturar um rato distraído, no sentido genético que os espertos passam seus genes para a frente, para as próximas gerações. Essas aves, em seu trabalho conjunto de vigia do terreno, unem-se e tornam-se um mesmo organismo, como nos animais cujos olhos dão uma visão de 360 graus do “campo de batalha”. As corujas não têm a mesma estatura, como numa família com filhos de várias idades, e ao mais velho resta a tarefa de ajudar a cuidar do ninho. São os olhos de uma Genoveva atenta, na “tensão” do olhar artístico, que observa o Mundo.


Acima, Sem Título (II), técnica de aquarela, parte da exposição Avis. É um close up, um encaramento, um olhar sério, de um indivíduo que resolveu encarar a Vida de frente, adquirindo, assim, o controle sobre a própria vida, não mais permitindo ser guiado por outrem. Há pessoas que desenvolvem gradualmente a agressividade; outras, repentinamente. É uma ave bela, com olhos pétreos, que encaram o espectador, deixando este quase “desconfortável”, “invadido”, na eterna tarefa da Arte – mexer com as pessoas; mexer com as percepções do indivíduo. E não é pseudoarte aquilo que é ignorado pelo espectador? Os traços de Genoveva delineiam as penas do bicho, como numa majestosa vitória régia, ou um majestoso cavalo, criações que dão um indício de que, realmente, temos que crer em uma Inteligência Suprema Criadora. Do contrário, qual o sentido de todas as dimensões do Universo? As aves representam a Liberdade, no prazer que temos naqueles sonhos em que sonhamos que plainamos e voamos, sendo errado ter sentimento de culpa em relação a prazeres – o Bem é sempre agradável. Podemos ouvir o som de pássaros cantando, na orquestra da Vida, de um lugar cheio de vida, como no filme Nosso Lar, quando, numa cidade espiritual, ouvimos o canto de pássaros. É a certa magia da Natureza, e esta é um sinal, uma cópia tosca da vida melhor que nos espera após o óbito carnal. Os olhos desta ave são de um negror profundo, denso e insondável, num mistério, numa noite que, apesar de negra, é bela em seus céus estrelados. Esta ave é de um tom cinzento, como nas cinzas vestigiais após um fogo ardente, numa Quarta-feira de Cinzas, no momento em que a festa acaba e o indivíduo tem que voltar a encarar a Vida e a batalhar por esta. Cinza é uma cor discreta, uma cor que rejeita cores extremamente alegres. É uma cor que se depara com uma dualidade barroca: luz e sombra. Como num dia encoberto, em que não sabemos quem é mais forte: a Luz ou a Escuridão. Como no Castelo de Grayskull, o Castelo da Caveira Cinza, lugar disputado entre os seres do Bem e do Mal. A boca desta ave tem um formato de cruz, que remete a um homem pobre que mudou o Mundo. A Cruz é uma passagem, um lugar pelo qual todos temos que passar. É uma referência metafísica, uma referência que despreza profundamente homens que enganam, exploram e lesam pessoas ignorantes. Esta ave tem um rosto belo, proporcional, equilibrado. Tem a fotogenia de uma supermodelo, num charme e uma beleza de arrebatar o Mundo, pois é considerado belo tudo aquilo que mostre que o Ser Humano é algo além de um símio racional – é um ser estelar, mental, metafísico. Entre os olhos desta ave e no fundo do quadro, uma coloração alaranjada, na cor sedutora de um vistoso pôr do Sol, num momento em que a Natureza nos dá uma ligeira impressão do que é a beleza do plano acima. Este quadro traz a majestade da Criação, na necessidade do Ser Humano de entender e amar o Universo. Estes olhos negros nos puxam para dentro do quadro, seduzindo-nos para observarmos o Mundo pelos olhos de Genoveva, uma adoradora da Natureza.


Acima, Sem Título (III), técnica de vime e trama. Formidável a ideia de Genoveva de colocar uma lâmpada incandescente no interior desta aranha. A luz é o mistério da Vida, na força enigmática que faz um coração pulsar. Temos aqui uma metalinguagem: artesão falando de artesão. A aranha é uma artesã, que tece sua teia e espere que nesta caia uma mosca desavisada. Por outro lado, é uma “teia” tecida pelas mãos de Genoveva, remetendo à técnica difundida de artesanato de vime. Vemos aqui a força das mãos da artista, numa teia que deve ter demandado um trabalho intenso, como o da incansável aranha. Esta cena faz metáfora com os vampiros parasitas psicopatas: o assassino tece sua teia, e tem uma posição passiva, pois, cedo ou tarde, uma “mosca” masoquista, que gosta de ser enganada e sugada, cairá na teia ardilosa, na teia manipuladora, e, uma vez ali caindo, é só questão de tempo até a aranha fazer uma farta refeição. A teia é o labor, a obra, aquilo que o artista deixa no Mundo. É um trabalho de paciência, de dedicação. A aranha tece calmamente, sem sobressaltos, sem pressa, como se soubesse que Roma não foi erguida em um dia só. A teia é uma espécie de mandala, e parece girar como um relógio, na finitude de tudo relacionado à Dimensão Material. O centro é vazio, pois a sensualidade reside exatamente neste vazio, pois é o vazio que faz uma porta útil, e Tao é isso: um grande portal do qual tudo vem, no mistério da Criação. A luz que vem de dentro da aranha é o gênio artístico, que já nasce com a pessoa, e uma pessoa sensível, que assim nasceu, não precisa que lhe ensinem o que é sensibilidade: o artista simplesmente é assim, sem premeditação. É um instinto, como no instinto da aranha sedutora, brilhando na inteligência, como um vagalume, dos mistérios que movem a Vida. Esta luz que Geno entranhou na aranha elimina quaisquer aracnofobias, e o espectador não fica amedrontado ou paralisado pela aranha. Esta é a luz dentro da mente de um artista, uma luz infindável que faz brotar intermitente criatividade – nenhum artista leu num livro como ser criativo, pois cada pessoa tem que, por si mesma, aprender Tao; aprender o que é criar. A teia faz metáfora com tramas literárias, com histórias que fazem com que personagens passem uns pelas vidas dos outros, no modo como a poderosa Divina Providência trama as sortes e destinos do indivíduo, visando um só objetivo – o aprimoramento moral. Pois não é a imoralidade a mãe de todos os flagelos humanos? A Humanidade não precisa se aprimorar e se tornar mais perfeita, mais materialmente desprendida? Geno fez questão de dependurar a teia no teto, para que o espectador se sentisse, de fato, frente a uma obra da Natureza. Esta teia parece uma roleta, girando sempre, sempre ditando as sortes dos indivíduos. A teia é pegajosa, ou seja, envolvente, como um artista envolve o espectador nessa teia. O espectador se sente uma mosquinha, a qual, por sabedoria, tem que se manter longe da teia, pois, do contrário, vai virar lanche. Essa aranha iluminada seduz, e nos dá vontade de cair na teia. O centro da teia parece ser uma boca esfomeada, como nos aterrorizantes monstros de Tolkien. É uma boca que nunca está satisfeita, como na Sociedade de Consumo, que quer fazer com que o indivíduo nunca se sinta satisfeito nem feliz. No Consumismo, quem não consume é desprezado. O que é bom, fazendo com que este indivíduo não consumista tenha, finalmente, Paz, pois é da Paz que vem o sentimento de saciez: se não estou o tempo todo querendo coisas e mais coisas, posso estar quieto e feliz, satisfeito como que tenho. A aranha é essa fome infindável, sempre querendo mais, como um vampiro viciado em sangue. A luz acesa na aranha é essa gana, esse impulso, num dos instintos mais primordiais – a Fome. Dizer “Isto é o bastante” cala essa boca insaciável, e a Paz, finalmente, pode acontecer. O meio desta teia é um buraco negro, ou o centro de uma galáxia, numa força gravitacional implacável, sugando o espectador, tendo no artista uma releitura dessas poderosas forças cósmicas. É a água caindo pelo ralo de uma pia, esvaziando a pia e trazendo a simplicidade do contentamento. É um canal pelo qual fazemos um ato básico animal – a defecação. É um canal que tem que estar sempre aberto, sempre desobstruído, sempre fazendo a Vida fluir, sem interrupções que possam quebrar o ritmo. É a força das mãos de Genoveva, numa artista querendo preencher espaços, na forma gravitacional de um centro galáxico. As pernas delgadas da aranha são o refinamento, a polidez minimalista, em pernas que, apesar de ter uma aparência frágil, são fortíssimas, pois o fino singelo derrota o grosso excessivo. Podemos ver a aranha se mexendo pela própria obra, e podemos ouvir seus discretos passos como cordas de violão sendo tocadas. É o fascínio do super herói Homem Aranha, um ser humano que passou por uma mutação. Arte é isso – faz com que o espectador passe por uma mutação e, uma vez tendo passado por uma boa obra de Arte, o mesmo espectador jamais será o mesmo. A teia de Genoveva nos envolve e nos deixa “presos” à mente criativa. Dá para imaginar o trabalho que deu transportar esta obra do atelier à galeria. Esta aranha é uma Galadriel, ou seja, os mistérios femininos iluminados, elucidados.


Acima, Sem Título (IV), técnica de vime e trama. Esta instalação ficou na entrada da galeria caxiense, cujas escadarias ascendentes nos convidam à elevação mental. Aqui, voltamos a ver uma teia e uma aranha, mas, desta vez, a aranha não está iluminada internamente, numa perspectiva mais sombria, mais sinistra – conheço uma pessoa que é altamente aracnofóbica. A grande teia extrapola limites, quase não cabendo no espaço limitado. As escadas dialogam com a teia, e o espaço se torna um só. A teia é um tanto taoista, pois o centro vazio faz metáfora com o enigma do vazio, e este é a fonte da utilidade, do propósito. A aranha parece desfilar pela teia, e é o Pequeno Príncipe em seu pequenino reino, como um artista se torna rei e soberano de seu próprio atelier, espaço no qual tudo é do jeitinho do artista, numa espécie de campo onde a fazedor de Arte se sente absolutamente livre e a vontade, como na sensação redentora de chegar na praia e calçar um par de chinelos – é uma libertação, fazendo metáfora com o Desencarne, num autêntico retorno ao Lar, aos jovens amigos imortais. Aqui, parece que a galeria foi tomada pelas aranhas de Genoveva, mas isto não nos convida a destruir as teias – bem pelo contrário, o que me lembra de uma ecologista que conheci, e esta não me deixou destruir uma teia de aranha em um pequeno mato. Ao fundo à esquerda, os armários nos quais os visitantes da biblioteca têm que guardar seus pertences, e a aranha é assim – vai guardando os insetos que caem em sua teia, sendo uma caçadora ardilosa, que sabe esperar até colher os frutos de sua persistência, pois não é importante, ao se ter talento, persistir neste mesmo talento, nesse mesmo propósito? Os armários convidam o espectador a se despojar e a deixar para trás bens materiais, mergulhando na teia e permitindo que suas próprias tripas sejam devoradas, num ato de entrega, entregando-se aos olhos de Genoveva. Um jato de luz cai quase sobre o centro da teia, na sabedoria em tecer uma teia que, apesar de frágil, é forte, como na metáfora taoista da árvore ao vento: aquela árvore que se curva ao vento, sobrevive. Portando, curve-se e seja humilde. A aranha está acostumada a não ver seu próprio labor ser reconhecido, mas a aranha Genoveva teve a força para superar isso, sendo, enfim, reconhecida, não mais sendo ignorada por um Mundo tão frio e indiferente – é um baita desafio. Abaixo, uma mesa com um tecido que parece ser estopa, numa malha tecida assim como a teia tecida, num registro de labor. Em cima, um objeto que, creio eu, serve para captar as uvas assim que elas são ceifadas da videira, no trabalho de formiguinha que é uma colheita de uvas, com as abelhas contentes, rondando doces bagos de uva no parreiral. É uma alusão sutil à Festa da Uva, um momento em que a comunidade esquece suas diferenças e atritos, unindo-se para celebrar a Vida. E esta aranha é Vida, num ser guerreiro, que batalha para obter as coisas da Vida. E este objeto de colheita não está exatamente no meio da mesa, estando recatado, discreto e humilde, nunca querendo se apossar de tudo e todos. E, como diz Tao, aquele que nada quer, tudo tem. É uma charada, e o arrogante tropeça no próprio passo, natural e inevitavelmente. E eis que o trabalho, a necessidade de laborar, invade com força a Vida dos indivíduos. Não tente fugir da aranha!


Acima, Sem Título (V), técnica de lápis de cor, parte da exposição Avis. O perfil mostra um animal agressivo, como na águia, símbolo dos EUA, num bicho que combina dois valores bem americanos – liberdade e agressividade, numa nação que se acostumou a ser o “xerife” do Mundo; em ser o dono da “bola” e do “campinho”. Podemos ouvir o canto da águia, com suas paladinas asas cruzando os céus de uma nação livre, rechaçando ao máximo os sistemas ditatoriais, os quais resultam em falta de liberdade, de bem estar ao cidadão. Com o lápis na mão, Genoveva revela um trabalho meticuloso, com cada tracinho revelando a majestade de um bicho tão belo e inspirador. A águia está de boca aberta, cantando, talvez faminta por uma presa, seja uma cobra, ou um rato, ou um sapo. É a luta pela Vida, pelo alimento de cada dia, na oração que pede a Deus que o pão nosso de cada dia esteja garantido. Podemos ver sutilmente a língua da águia, saboreando uma presa, e talvez levando nacos de carne para seus filhotes no ninho, e este é um lugar seguro, retirado, a salvo de predadores engraçadinhos que queiram se esbanjar na carne dos filhotes, e estes só poderão sair do ninho quando aprenderem a voar, a se sustentar com suas próprias asas – é o desafio da Vida. O bicho corta o quadro de ponta a ponta, numa Genoveva inspirada pelas riquezas e belezas biológicas. O olho da ave está aberto e atento, numa visão muito melhor do que a visão humana, numa ave que pode observar presas a uma longa, longa distância, com olhos aguçados, frutos de um processo evolutivo que fez com que as seres de pouca visão perecessem, não permitindo que as aves “míopes” pudessem transmitir seus genes para as gerações seguintes. Um orifício no bico é a narina da águia, parecendo que a ave levou um tiro de caçador, tendo se recobrado de tal ferimento e superado as vicissitudes, tocando a Vida para a frente. Ao fundo no quadro, um céu azul um pedaço de árvore, talvez o lugar que a águia escolheu para tecer seu ninho, no cuidado de construir um lar protetor, no instinto de Maternidade. No olho do bicho, Genoveva revela seu traço, e, ao olharmos para o olho, temos a impressão de dialogarmos com o bicho, na beleza de olhos puros, sem as vaidades e arrogâncias humanas – Deus não inventa o Ódio, pois este é um capricho humano. A águia se revela simples em sua Vida, cuidando dos afazeres do dia, vivendo seus dias com placidez e instinto, sem reclamar pelo fato de que é necessário lutar pela Vida. O bico agressivo da águia foi desenvolvido pela Evolução, para que a ave possa fisgar as presas, como num agressivo anzol de pesca, usando-se uma isca para enganar um peixe desavisado. As penas do bicho são macias e afáveis, convidando-nos ao toque delicado e reconfortante, mas não chegue muito perto! É um bicho com instinto de caça, entalhado na luta diária por comida. É um bicho que exige respeito, pedindo-nos para que não demos murro em ponta de faca, e é como os EUA, uma nação amigável mas que, se provocada, irá à Guerra. E quem quer guerrear contra a nação mais poderosa do Mundo? Esta águia parece uma figura de perfil de moeda, numa figura altiva e orgulhosa, como se soubesse que é bela e austera. Olhando o bicho de frente, talvez não perceberíamos o formato agressivo do bico, e é por isso que Genoveva optou por nos mostrar o bicho de perfil, para que pudéssemos observar o falo faminto, no charme que existe em pessoas narigudas. Genoveva nos recomenda a observar a águia a distância, como se o animal fosse um solado armado – nunca o provoque, rapaz!


Acima, a artista com suas obras. O próprio cinto de Genoveva dialoga com a arte em tranças. Será que Geno usou o cinto (in)conscientemente? Nesta foto, vemos algumas “colunas” de artesanato, como se fossem o resultado de uma colheita, de um esforço. A obra mais ao fundo, que tapa uma visitante da mostra, parece uma colmeia ou um cupinzeiro, cheio de Vida, cheio de incessante labor, um banquete para predadores que gostam de insetos, como pelas línguas pegajosas de tamanduá. Genoveva celebra a beleza e a força da Vida. Essas formas remetem à seção africana do Met de Nova York, num apelo que mexe com a cabeça do espectador. Aqui, nessas casas cheias de Vida, podemos ouvir o mínimo som de labor, com seres subindo e descendo, exercendo seus papéis nessa comunidade, no modo como um artista busca ter um papel no Mundo. Genoveva revela ter alma de artesão, na capacidade de transformar objetos, fazendo com que um impessoal vime vire obra. Essas colunas sobem a galeria do chão ao teto, como se sustentassem a casa, como nos enigmáticos pilares vermelhos do MASP. São como árvores que nasceram do piso de porcelanato, transformando a galeria em uma pequena mata, como certa vez, em um mato de Gramado, observei um tucano – é a beleza da Vida, algo incomum para quem vive em urbes. Aqui, Genoveva sorri satisfeita, colocando-se de lado, nunca querendo ocupar o centro, ou seja, nunca querendo aparecer mais do que a própria obra, num exercício de discernimento e discrição, pois não é insuportável o showman, o exibido, que quer aparecer mais do que o próprio trabalho? A instalação mais ao fundo faz um efeito com o piso reflexivo, parecendo que se entranham no chão raízes profundas, sustentando a árvore, alimentando-se de águas subterrâneas. Pequenas formas brancas enfeitam o arranjo, como jabuticabas, ou como uma colônias de seres, talvez insetos, apoderando-se da árvore. São colunas de Vida que brotam do chão, sempre lutando para respirar, sempre competindo por um lugar ao Sol, na inevitável competitividade da Existência. Só que, quem é único, com ninguém precisa competir, e é essa a luta por identidade de um artista – ser único e inconfundível. Identidade. A coluna ao lado de Genoveva aqui tem uma espécie de coroa de espinhos, que martirizaram o Salvador, só que esta coroa de Geno não tem espinhos, como arestas que foram aparadas, elaboradas. É a coroa na cabeça de Cristo depois do Desencarne, ou seja, no Plano Espiritual, Jesus veste sua majestosa coroa, sequer se lembrando dos dolorosos momentos de martírio. É como uma roseira sem espinhos, pois, na Dimensão Material, os espinhos servem para barrar seres que queiram matar a rosa. Já, na Dimensão Metafísica, não há predadores, sendo então que aos espinhos não mais são necessários, pois no Plano das Ideias a pessoa não precisa mais se preocupar com o que comer, com o que vestir, com onde morar, com a passagem do Tempo etc. Esta coroa é como o cinto de Genoveva, trazendo disciplina, comedimento. A artista, nesta foto, quase se esconde por trás da própria obra, numa timidez que revela uma mente profunda, que sabe o valor da Discrição. Aqui, não podemos ver as mãos da artista, as responsáveis por tal mostra. E vem à mente a pergunta se Genoveva gosta de fazer tricô, crochê, bordados etc. Como as mãos de um pianista, pois estas são as responsáveis pelo labor de um artista. É um trabalho de paciência, de uma mente centrada, e podemos ver a intenção de diversidade, ou seja, de uma artista que não quer se repetir, transitando tranquilamente entre pinturas e instalações, como numa artista completa como Fernanda Montenegro, a qual transita entre Teatro, TV e Cinema. Genoveva se torna uma anfitriã, recebendo-nos em sua mente por meio de seu trabalho, na capacidade de expressar, de vomitar catarses.

Um comentário: