O espanhol Diego Velázquez
foi o principal artista da corte espanhola no século XVII. Os textos e análises
semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, As Meninas. Certamente, este é o quadro mais famoso de toda a carreira
brilhante de DV. Certa vez minha mãe possuía uma cópia emoldurada. Na verdade,
a cena é um reflexo de espelho. DV aparece como uma espécie de Alfred Hitchcock,
munido de pincel e paleta. A estrela da cena é a princesinha sentada, sendo
atendida por uma aia de joelhos, num momento de posicionamento social, de
privilégio, numa época em que só a Nobreza podia bancar retratos feitos por
grandes pintores. Um cachorro se acomoda no chão, sem ter noção alguma dos
abismos sociais do Mundo, no modo como inocentes gatos desfilavam
despreocupadamente nas cortes dos faraós egípcios, em bichanos que não faziam
ideia de estar sentando no colo de um poderoso monarca – é a inocência dos
animais. O cachorro é a estima, o carinho, a fidelidade incondicional. Não é
uma cena muito iluminada, e a pouca luz que entra pela janela tem a missão de
iluminar, destacar e privilegiar a princesinha, que nasceu e cresceu
absolutamente acostumada com mimos e cuidados exacerbados, no modo como, quando
algum espírito privilegiado desencarna, este mesmo espírito pergunta: Onde está
meu séquito? Onde estão meus servos? No modo como, a nível metafísico, os
abismos sociais se esfarelam. Uma das aias do séquito é uma anã, um sinal de
vantagem social, pois, na época, era muito chique e bonito ter uma aia anã
dentre o séquito, como no filme Elizabeth,
no qual, tanto esta como a irmã Mary Tudor tinham uma fiel aia anã. E por que
isso era considerado tão elegante? Talvez pela pequenez ser considerada
adorável e delicada. Ao lado da anã, uma criança, e não podemos observar se
esta é menino ou menina, numa androginia, no modo como os anjos não têm sexo,
pois são espíritos livres de corpos carnais, os quais, por suas vezes, têm
sexo. Também ao lado da anã, outra aia, talvez a de maior importância no séquito,
numa clara hierarquia, com tudo girando em torno do Sangue Azul, um paradigma
governamental da época, havendo só depois, na Revolução Francesa, a elevação da
Democracia, paradigma que vigora pleno até hoje. Um pouco atrás, uma figura que
parece ser uma freira, na união consolidada entre Estado e Religião, um elo que
se tornava uma coisa só, num Vaticano ainda poderoso, emergindo de um contexto
medieval de onipresença na Europa. Ao lado da freira, uma figura apagada,
incerta, como uma alma penada vagando pelo Umbral, incerta, hesitante, perdida.
É um DV um tanto inseguro, e é da insegurança que vem o questionamento, e
questionar é próprio dos sábios. Na parede ao fundo, quadros dependurados, num
sinal de poder e riqueza, colecionando obras que custaram muito para ser
confeccionadas, num símbolo de privilégio, juntando Arte e Dinheiro no mesmo
plano, no mesmo nível, como, já ouvi dizer, que Nova York respira duas coisas –
Arte e Dinheiro. Só que o artista, assim sendo, não quer exatamente ter posses
e mais posses, mas quer ser reconhecido e respeitado. Em um dos quadros ao
fundo, um homem e uma mulher, talvez o Rei e a Rainha da Espanha, no
insuperável arquétipo forte-frágil, ritualizando a união heterossexual, tendo
nesta a personificação de Yin e Yang, as forças opostas que regem, juntas, o
Universo. Talvez sejam os pais da princesinha, pais que já articulam acordos
matrimoniais, querendo casar a filha como um homem nobre, rico, de família
ilustre e respeitada, restando à princesinha a ausência de escolha, tendo que
se curvar e aceitar destino imposto, numa época em que ter amantes era tolerado,
desde que fosse discreto, como no filme Maria
Antonieta. Bem ao fundo, um enigmático senhor em uma porta, emoldurado por
uma luz. A porta é uma revelação, revelando algo que estava oculto. É uma
válvula de escape, uma fuga da realidade, para se fugir de um Mundo tão duro e
inflexível. É o sonho, num DV sonhador, sempre querendo plenitude psíquica,
libertação. Quase todos os personagens da cena olham para o espectador, e este
é convidado a entrar e participar dos mimos ao redor da princesinha, cujos
cabelos dourados brilham como a Espanha, há séculos, brilhava onipotente na
Europa. Mas impérios surgem; impérios caem.
Acima, O Triunfo de Baco. A cena é de absoluta descontração, num momento
festivo, embalado pela sensação de embriaguez do vinho, no ditado In Vini Veritas, ou seja, No Vinho, a Verdade. Este Baco não tem
um corpo atlético, como um deus olímpico, mas uma barriguinha, que conota
relaxamento e festividade. Baco está quase nu, com grande parte do corpo
exposta. Aos seus pés, uma jarra de cerâmica, que representa a acumulação, a
poupança, o resguardo. O vinho se funde com o sangue humano, e dá todo o seu
efeito de embriaguez. Baco, com a cabeça adornada por ramos e folhas de
videira, adorna do mesmo modo a cabeça de um homem, que está de joelhos perante
Baco, rendendo-se ao momento de farra e alegria, no modo como o vinho “liberta”
a voz da pessoa, e os embriagados passam a cantar esfuziantemente, perdendo a timidez
e os limites de encabulação, revelando-se espontâneos e altamente à vontade, na
sensação de Liberdade que a embriaguez traz, numa época em que não existia o
diagnóstico de Alcoolismo, e um alcoólatra era tido apenas como alguém que
gostava de beber, nada mais. Este homem de joelhos é o Yang se curvando perante
o Yin festivo, e temos em Baco um homem um tanto feminino, não extremamente
viril nem machão. O homem de joelhos é a Razão se curvando perante a Loucura,
no modo como uma festinha, de vez em quando, não faz mal a pessoa alguma. É uma
pequena licença que o indivíduo pede para se desligar um pouco da sisudez do
Mundo lá fora. Nas costas do homem ajoelhado, uma longa faca, mas a faca está
inerte e inexpressiva, num momento em que a tensão agressiva perde a força para
dar espaço ao prazer libertador da gandaia, como nos detectores de metal na
entrada de certas casas noturnas, o que é um aviso: Deixe para traz a
agressividade mundana e venha simplesmente festejar e curtir a Vida. Como a
festa tem todo um caráter feminino trazido por Baco, não vemos mulher alguma na
cena; só homens. Ao lado de Baco, um rapaz com a cabeça também adornada por
folhas de videira, segurando uma longa taça de vinho, no modo como Jesus disse
que Seu sangue está no vinho, ou seja, o próprio Salvador se curvando perante
um deus pagão! Este rapaz ao lado de Baco também está quase nu, num quadro que
retrata uma noite amena, de temperatura agradável, num momento propício para
uma boa festinha, na eterna tentativa humana de tentar entender como é o prazer
da Vida de Desencarnado, num lugar onde nunca há muito calor, nem muito frio. E
o vinho é um artifício para reproduzir, de forma tosca, a deliciosa sensação de
liberdade dos espíritos desencarnados. Dois homens olham para o espectador e
sorriem satisfeitos com a farra, convidando o espectador a entrar na folia e a
tomar um bom vinoto. De costas para a
cena, outro homem, com a cabeça também adornada com ramos, só que ele está
vestido, e encoberto por uma sombra que o deixa quase imperceptível perante os
demais elementos na cena – é a Discrição, num artista que observa quieto o
Mundo, sempre buscando retratar este da forma mais única possível. Mais ao
fundo, um senhor tira o chapéu – é a cordialidade, num homem que, ao tirar o
chapéu, demonstra respeito aos demais no lugar, no termo Tirar o Chapéu, ou seja, aprovar ou não aprovar alguém. E temos que
tirar o chapéu para DV. Podemos ouvir a conversa animada e as risadas de salão,
numa música contagiante que enche o ar com agradabilidade. Baco está de pés
descalços – é a Simplicidade, a sensação de Liberdade de um espírito que se
sente à vontade para ser o que quiser ser. E Baco nos convida a tirar os
sapatos, como fui num casamento certa vez na Bahia – os anfitriões deram
chinelos de dedo aos convidados, para que estes se sentissem em Casa. E não é insuportável
uma festa na qual há desconforto e falta de Liberdade para festejar?
Acima, Velha Senhora Fritando Ovos. Aqui, temos algo barroco, com um
considerável contraste entre claro e escuro. A velha senhora é o alento do Lar,
preparando um desjejum, alimentando seu netinho. O jovem rapaz já sente na pele
a dureza do Mundo, fadado a se tornar homem e a enfrentar um Mundo tão difícil
de ser conquistado, talvez num DV que se deparou com uma Vida na qual os bônus
não “caem do Céu”. O rapaz ajuda a vó na casa, e entende como as coisas são
caras e difíceis. Este é um quadro que mostra uma realidade pobre e sofrida,
num DV empenhado em explorar todas as faces da Pirâmide Social, desde nobres
até plebeus, num artista que não ficou só atento a ser remunerado por grandes
príncipes ricos. Trata-se de uma refeição simples e frugal, e claro que não é
um banquete no qual a pessoa pode encher a barriga como um rei, bebendo de
vinhos finos e caros. É uma refeição do povo, numa classe social que tem que se
contentar com o mínimo, talvez num DV querendo fazer um manifesto social, uma
denúncia da desigualdade. Os ovos são o fruto do dia, do trabalho diário, numa
casa em que qualquer comida sobre a mesa tem que ser valorizada, nunca sendo
desperdiçada. Os ovos na panela são como galáxias giratórias, no ritmo natural
do Universo e do Mundo, num grande enigma: Por que uns são tão ricos e outros
tão pobres? Qual o sentido da desigualdade na Terra? Por que não vivemos em
plena igualdade na Dimensão Material? Os ovos são a fertilidade da mente
artística, e um ovo, ainda não quebrado, está na mão da velha senhora, talvez
resguardando este ovo, não querendo desperdiçá-lo. É uma casa em que os gastos
são rigorosamente controlados. Existe comida, mas é controlada. Na mesa ao
lado, uma cebola não descascada, esperando para ser usada. Seus cabelos
desgrenhados são a aparência desfavorecida de quem é muito pobre, num povo
ignorante que é vítima de mentes capciosas, manipuladoras e exploradoras, num
povo seduzido por políticos de aparência impecável, como um certo político,
cujo nome não mencionarei. Num ponto de vista marxista, a base da pirâmide
carrega todo o resto; sob outro ponto, é o topo quem carrega este mesmo resto.
Ao lado da cebola, repousa uma faca, num DV de técnica impecável, digna de
mestres renascentistas. É claro que a faca é o resguardo agressivo, e o menino,
no fundo de sua psique, que se tornar um homem rico e poderoso, para nunca mais
sofrer como proletário, num sentimento de justiça, até de “vingança”, querendo
prover para sua avó uma vida menos sofrida e menos pobre. O menino traz coisas
nas mãos, provavelmente encomendas que a avó solicitou, numa criança que, desde
cedo, foi exigida de ter responsabilidades de adulto, numa pessoa que
amadureceu de forma precoce, frente às exigências do Mundo, como no poderoso
homem de Cidadão Kane, um menino que
foi arrancado de sua doce infância, um homem que, no leito de morte, clamou seu
velho esqui, o Rosebud, numa memória de uma fase de sua vida em que as coisas
não eram tão duras e truncadas, na simplicidade infantil. É um trauma de
infância, que acompanha a pessoa até o fim de seus dias. Este menino não é um
principezinho, adulado com muitos brinquedos. Apesar de pobre, esta casa tem
algo de aconchegante e acolhedor, e podemos ouvir o som dos ovos fritando, com
o cheiro se espalhando por uma residência tão humilde. A cabeça da senhora está
coberta por um véu branco, como uma Virgem Maria, preocupada em cercar de
carinho o neto mas, ao mesmo tempo, exigir força desta criança. Ao lado da
faca, um pilão, esmagando os sonhos de pessoas que se frustram, que, de tempos
em tempos, dão-se mal na Vida. É a força necessária que a pessoa tem que ter
para virar as páginas. O menino é um espírito que quis encarnar em um contexto
duro para, assim, evoluir moralmente e fortalecer-se, deixando para traz
ilusões tolas e auspiciosas. É a mortificação da mente, na construção técnica
de uma alma.
Acima, Retrato da Infanta Maria Teresa da Espanha. Aqui, um
ultraprivilégio, numa menina absolutamente aprumada, o mais arrumada possível,
para uma cerimônia de coroação, numa realeza tão vaidosa, tão atenta às
aparências. Esta menina está paralisada, congelada, mal podendo respirar, mal
podendo se mexer, nascida num contexto social que, no frigir dos ovos, é uma
prisão. A menina aqui é prisioneira de seu próprio privilégio, num apego ao
status mundano, numa pessoa que, mentalmente, sofre por não poder desfrutar de
uma vida mais simples, menos pretensiosa, menos excessivamente abastada. É o
paradoxo da riqueza: ao se comprar algo, surge na pessoa rica o sentimento de
vazio; se a pessoa decide ceder em caridade, esta pessoa fica preenchida
existencialmente, sendo que tudo gira em torno da dimensão acima, nas operações
impecáveis da Divina Providência, como uma aranha angelical, que tece com
perfeição os destinos dos filhos de Tao, no modo como é próprio da Realeza
querer imitar ao máximo esta Providência Metafísica, havendo no monarca um
simples representante da Plenitude Psíquica – apenas um representante, um
carteiro, um mensageiro, um embaixador. Infelizmente, é próprio da vaidade
querer ser Tao. Esta menina está pronta para casar em um acordo entre coroas,
fazendo da moça uma moeda de troca, uma mercadoria, e a menina sequer tem o
direito de opinar, tendo que se curvar à vontade dos próprios pais. É a
crueldade humana, num talento para a infelicidade, num plano em que a pessoa
não se sente amada ou respeitada. É a prisão dos privilégios, numa contradição enorme:
Como pode um favorecimento ser tão desfavorável? Os cabelos da menina carregam
laços e cristais, num ritual de aprumação que levou horas para ser concluído.
Por que ela se arruma tanto, tão excessivamente? Onde o Ser Humano quer chegar?
Sua pele é pálida como seu vestido, e sua cintura fina está provavelmente atada
por um espartilho ou algo que o valha, num contexto de opressão, num indivíduo
tomando pelo sentimento depressivo de vazio. A menina leva uma vida enfadonha,
pois tem casa, comida e roupa lavada. Na prática, a menina é uma simples
reprodutora, um simples útero usado como uma galinha para fornecer ovos. Como
pode ser tão chique e, ao mesmo tempo, tão grosso? O vestido é bordado com
pérolas, e custou uma pequena fortuna, algo absolutamente inacessível ao
proletariado do reino, ao qual só resta ficar pasmado com os excessos
aristocráticos. Ao povo resta a crença de que os ricos são felizes; aos ricos
resta a infelicidade. Que Mundo, não? A menina tem os lábios avermelhados e
bochechas coradas, como seu útero, que já chegou à Menarca, assinalando assim o
momento em que os acordos matrimoniais tomam forma, numa Sociedade que não quer
saber se a menina está feliz ou infeliz. A menina se vê manipulada, e sabe que,
se recusar a casar, poderá sofrer punições, sofrer com os preconceitos do
Mundo, em que uma mulher que não se casa é malvista. Atrás da menina, um fundo
escuro, que faz contraste com o vestido alvo: o doce e o amargo andam juntos,
fazendo da Vida um sabor agridoce. E a menina tem que dar graças a Deus por ter
nascido em um contexto tão privilegiado. São os rituais humanos, em toda a ritualidade
que existe na união entre Homem e Mulher. A menina está entediada com uma vida
tão fácil, numa aristocracia que se sente sexy demais para arregaçar as mangas
e fazer algum trabalho de fato, quando que o Labor é necessário a todos. As
riquezas mundanas giram em torno da plenitude espiritual da dimensão acima,
tendo no dinheiro uma cópia tosca da felicidade.
Acima, Retrato do Papa Inocêncio X. O Papa está de “cara feia”, de poucos
amigos, nada parecido com um anjo católico. É um homem sério, ciente de suas
próprias responsabilidades religiosas. Seu trono emana poder, e o Papa sabe que
o Mundo não é feito só de belezas, num homem um tanto mortificado, que sabe que
a Sociedade exige do Homem o desenvolvimento da Agressividade. As roupas do
Santo Padre são luxuosas, de finos tecidos, e ele se senta como um verdadeiro
rei, em um trono luxuoso, algo muito distante da simplicidade de Jesus Cristo,
que foi um homem que nasce, viveu e morreu pobre. É aqui um trono com detalhes
em ouro, num Vaticano tão luxuoso, tão cheio de inestimáveis obras de Arte, no
modo como o Catolicismo Apostólico Romano virou sinônimo de poder, luxo e
riqueza. O anel na mão do pontífice conota poder, privilégio, e não são todos
os papas que conseguem se manter humildes, simples e acessíveis ao Povo, aos
fiéis. Simplicidade é para poucos, infelizmente. O anel, temos que beijá-lo.
Temos que nos curvar perante um Vaticano ainda tão poderoso, com todas as
loucuras e crueldade que o Homem já fez dizendo agir em nome de Jesus, fazendo
coisas que Este jamais faria. O Papa olha impaciente para DV, como se quisesse
logo se levantar e ir fazer outras coisas mais úteis. Na época, poder
encomendar um retrato de DV conotava poder, muito poder, numa Espanha
incondicionalmente católica, longe dos “hereges” Protestantismo e Anglicanismo,
numa Espanha que, mesmo rica e poderosa, negava-se a não se curvar perante o
Vaticano. Na outra mão do pontífice, um pedaço de papel, num contexto social em
que ler e escrever era para poucos, para o topo piramidal social. O fundo do
quadro, o estofamento do trono e a roupa do religioso são de cor vermelha, no
sangue derramado de pessoas que se negaram a se curvar. É a cor do sangue de
Jesus escorrendo durante a cruel execução na Cruz, num martírio que já seduziu
muito aqueles que desejaram se tornar mártires também, desejando virar santo,
na eterna ambição humana de se tornar estrela, num Ser Humano disposto a fazer
de tudo para ser canonizado – é a inquietude ambiciosa, inimiga da Paz. Este
quadro transpira luxo, num papa vaidoso, relutante em se desapegar de seus
privilégios e riquezas. A saia do traje é branca, da cor da Paz que o padre no
púlpito tanto deseja para o Mundo. Esta veste tem bordados finos,
impecavelmente limpos, procurando imitar a pureza de Tao, no modo como os
espíritas gostam muito de vestir a cor branca, a qual é sinônimo de pureza, de
limpeza, de Tao. Aqui, o vermelho profundo faz contraste com o branco explícito,
num papa que se aprumou tanto para posar. E como fica esquecida a pobreza da
manjedoura na qual nasceu o Salvador! O chapéu na cabeça do pontífice é o
telhado do Lar, na intenção primordial de Tao em fazer com que a pessoa sinta
que pertence a um Lar, a uma proveniência divina, numa dimensão na qual os
luxos mundanos não mais separam irmãos de irmãos. O padre olha fixo para o
espectador, num papa sem o mínimo de simpatia ou carisma, como se o Papa
soubesse dos pecados de cada um de seus fiéis, pois tenho uma amiga psicóloga
que se diz absolutamente contra muitos conceitos do Vaticano, como o casamento
em virgindade ou a proibição de masturbação. Este papa posa de dono da Verdade,
quando na verdade é apenas um Ser Humano, cheio de defeitos e hipocrisias. O
Papa tem um olhar desafiador, arredio. Seu trono, assim como muito da Arte
contida no Vaticano, tem traços pagãos clássicos, muitos destes trazidos pela
Renascença, numa contradição: como pode um lugar tão católico ser tão pagão?
Este papa dá medo de olhar! Ele não está com a cara de estar satisfeito com o
Mundo e com os fiéis, e olha para DV desconfiado. Cada lado do trono tem um
detalhe em escultura, como uma dualidade, entre Norte e Sul, num pontífice o
tempo todo forçado a tomar decisões difíceis, no peso que se acumula perante a
cabeça que veste uma coroa. É uma posição de privilégio, sim, mas é também uma
posição complicada, em que os cardeais do Vaticano estão, em segredo, o tempo
todo julgando as decisões e ações do Papa que estes mesmos cardeais elegeram. É
uma vigília incessante.
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