quarta-feira, 16 de maio de 2018

Pintando um Clima com Klimt



Tenho lembranças do Ensino Médio, em que minha professora de Educação Artística exaltou a obra de Gustav Klimt, o qual resolveu opor-se aos velhos moldes acadêmicos, tornando-se inovador. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus.


Acima, A Árvore da Vida. Temos aqui um pouco de psicodelia, muito tempo antes da onda Flower Power dos anos 60. São linhas divertidas e lúdicas. A Árvore da Vida se espalha por todos os lados, dominando o quadro, mostrando ter força titânica – a Força da Vida. Vemos um pássaro pousado em um galho, e podemos ouvir seu canto delicado, num bálsamo para os ouvidos. Por toda a árvore, várias flores cinzentas, e discretas, com uma forma exótica, e não sabemos o porquê delas serem assim. Também vemos pelos galhos formas que parecem ser coroas, na coroação das Forças da Natureza, impondo-se na Vida em Sociedade, cobrando um preço caro aos que não se submetem a tal força. São como sensuais ramos de videiras, curvilíneas, envolvendo-se em tudo o que é encontrado pelo caminho, como uma hera que se alastra e domina tudo ao seu redor, impondo-se monarquicamente, no modo como o Homo Sapiens encontra na Natureza a inspiração para tecer seus mitos, como deuses que representam os trovões, as chuvas, o Sol, a Lua, as Estrelas, os animais, a vegetação etc. O tronco é forte, e tem competência de sustentação, no modo como o indivíduo tem que se fazer forte para enfrentar os solavancos da Vida. Na extrema esquerda, uma mulher amarga olha invejosa para um casal que se beija na extrema direita. O casal está tão apaixonado que formam um só ser, e envolvem-se num abraço doce de pura entrega, de rendição, do modo como o Amor pode invadir as vidas das pessoas, trazendo alto reconforto existencial. É um casal num momento romântico, no mesmo amor com o qual a árvore forte se espalha, cobrindo campos e vestindo florestas, dando a estas roupas maravilhosas, deslumbrantes, do modo como esta árvore simboliza a majestade da vida ao ar livre, opondo-se aos palácios construídos pelo Homem, palácios que são meras cópias grotescas da Obra Divina, da concepção de Tao. A mulher invejosa tem uma longa cabeleira, e olha fixa para o casal. A invejosa nada pode fazer para interromper o bembom dos pombinhos, e ferve em seu próprio ódio, apesar de ser bela. Como diz uma frase de caminhão: “Não me inveje, trabalhe”. Ou seja, não inveje; procure seu próprio amor. Tanto o casal quanto a mulher solteira vestem roupas ricas em detalhes, e formas geométricas fundem-se com multicores. Temos em Klimt elementos ricos de grafia, num artista debruçado e empenhado em enriquecer quadros. Aqui, temos uma verdadeira declaração ecológica, e a Natureza se revela em suas flores, animais e minerais, como conchinhas à beiramar, como galáxias inúmeras jogadas sobre o misterioso pano preto do Universo – o que existe depois do Infinito? O que é a Eternidade? Tao é isso – muito poder, só que um poder que se alastra com amor, e não com ambição. Bem ao fundo no quadro, um dia claro, convidativo, trazendo clareza de ideias, contrastando com os galhos escuros da árvore. No vestido da mulher solteira, um triângulo com um olho onisciente, sempre observando seus filhos. É o olho de Tao, sempre vigiando a Criação, no modo como a Arte quer ser esse olho que tudo comporta, que tudo observa, trazendo um olhar abrangente e rico sobre tudo e todos, sobre a Arte, sobre o Ser Humano. No vestido da solteira, triângulos de pontas agressivas e amargas, no termo “levar tudo a ponta de faca”. Já, as vestes do casal in love têm formas arredondadas e orgânicas, carinhosas, fluidias. Mais abaixo no casal, um desenho que lembra histórias em quadrinhos, num Piet Mondrian empenhado em seus quadrados e retângulos. Nada mais natural do que artista influenciar artista, pois estes se comunicam em uma linguagem que ambos amam e compreendem.


Acima, Esperança I. Já ouvi dizer que a Vida é o nervo da Arte. Aqui, a Vida cresce e se desenvolve, dando perspectivas a uma mulher grávida. É a mente fértil, sempre tendo ideias. O bebê está prestes a nascer, e a bela mulher olha para o espectador. Do modo como Angelina Jolie foi uma grávida estonteante, e já ouvi dizer que toda mulher grávida é bela. É um quadro vertical como um arranhacéu, e a mulher está de lado exatamente para exibir a silhueta. Ela está gerando Mundo, como na cena final de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, no Homem voltando ao útero, ao lar, na Lei do Eterno Retorno. A mulher é ruiva e pálida, bem nórdica, e seus cabelos e seu púbis formam um só organismo, na sensualidade da continuidade, da integração, do modo como os seres humanos estão todos unidos no Campo das Ideias, no Plano Metafísico, o Lar para o qual temos que retornar sempre, assim que desencarnamos. A mulher tem delicadas flores brancas no cabelo, simbolizando a delicadeza e o reconforto do Yin, a face feminina da Vida, do modo como dia o próprio Taoismo: “Entenda e força do Yang, mas seja mais Yin dentro de você mesmo”. Atrás dessa imagem iluminada de Vida e concepção, temos um quadro sombrio, com boas doses de preto, que é o Mistério Existencial. Logo atrás da cabeça da mulher vemos uma caveira, que representa a Morte, a inevitável Morte, como uma bombarrelógio, que está prestes a estourar, sem sabermos quando o estouro vai se dar exatamente. A Morte ronda a Vida, mas, neste quadro, a Vida vence, e a Maternidade segue como símbolo de Amor e Virtude, como um lar tem que ter Virtude, educando exemplarmente seus próprios filhos. Numa porção do quadro vemos uma onda azulada, no cheiro sensual do Oceano, na Mãe Primordial, sempre atraindo seus filhos para a fluidez prazerosa. Na porção superior do quadro, vemos outras faces fantasmagóricas, feias e agourentas, rondando a mulher grávida, mas nunca envolvendo esta completamente. Há no quadro uma batalha pela Vida, do modo como um artista tem que lutar na labuta para vencer com a dignidade do próprio trabalho. É claro que a mulher está em primeiro plano, e sua luz contrasta com o fundo sombrio, nas bases comparativas da Vida: quando digo que algo é belo, é porque sei o oposto, que é feio e maléfico. Quando digo que fulano é um querido amigo, é porque, por outro lado, tenho outros amigos não tão queridos. Os seios da mulher não são muito fartos nem lactantes, talvez simbolizando um período de vacas magras, de privação, de necessidade, sendo tudo vencido e superado pelo bebê que está prestes a conhecer a Luz, no trauma do nascimento: eu estava tão bem ali dentro – por que tive que sair? Os cabelos ondulantes da mulher são os córregos da Natureza, numa vida sempre fluindo numa estrada, nunca parando, nunca se estagnando, como me disse um ente querido: “Estou em empurrando a Vida para a Vida não me empurrar”. Aqui, não sabemos quem é o pai, como se fosse A Imaculada Conceição, num ser que veio ao Mundo sem ter que ser submetido às Leis da Natureza, nas quais o Sexo é inevitável para a perpetuação de uma espécie. No Plano Metafísico, no Plano da Ideias, somos todos imaculados. Aqui no quadro, temos uma Virgem Maria reinventada, sem o repúdio conservador antinudez. Seu corpo é puro como leite, como o Capitão Rodrigo de Erico Veríssimo, um personagem deflorando uma moça nórdica, no prazer da violação de terras virgens. Aqui, Luz e Escuridão duelam, e o Bem acaba prosperando e se impondo. O mamilo da mulher é também rubro, na cor ígnea dos cabelos da Rainha Virgem da Inglaterra, na cor do sangue nobre que flui pelas veias psíquicas de cada um de nós. As flores nos cabelos são a força silvestre de uma Primavera ao ar livre, na liberdade de pulmões cheios de ar, na vida que pulsa na cidade do Rio de Janeiro, palco onde Bem e Mal duelam, como diz em uma canção: “Cidade Maravilha, purgatório da Beleza e do Caos”. A alva mulher parece não conhecer o Sol, como uma imaculada pele de bebê, que se gerou numa barriga sem saber o que é a Luz. Podemos ouvir o choro deste bebê, que está prestes a sair de sua zona de conforto e encarar o Mundo. A Vida é a Esperança de uma dimensão melhor.


Acima, Judit I. Temos uma mulher cheia de verve e ousadia. Ela é como uma “puta velha”, termo carinhoso usado por um publicitário que conheci, quando este se referia a pessoas de décadas de atuação, pessoas estas conhecidas por todos. Jovem, porém experiente, Judit é insinuante, lasciva, e parece estar à vontade estando nua, com um seio exposto e outro seio tapado por um véu translúcido, na paixão de Klimt pelo nu feminino, muitas vezes chocando quem é partidário de nus clássicos, mais sutis. Judit está envolta em ouro, em riqueza. No pescoço, usa uma coleira, catarseando o sentimento de possessão, no qual um homem possui uma mulher, fazendo desta uma escrava, no jogo de sedução em que dominado vira dominador, e viceversa. É uma ironia. A coleira é uma joia cara, talvez presente de um admirador rico, assim como a modelo é querida do artista, inspirando este. A coleira fortalece o pescoço, trazendo uma mulher forte, com uma grande estrada existencial cumprida, mas com ainda muito chão por vir, numa Judit forte e irreverente, passando a impressão de adorar fazer piadas e de falar bobagens. Ela é brincalhona, quebrando rígidos sisos acadêmicos, pois, como diz Tao, o duro e inflexível acaba se quebrando perante o mole e o sensual. E aqui temos uma Judit forte como um obelisco, mas feminina em toda a sua irreverência lúdica. O colar aqui tem várias pedras acopladas, como um tapete de flores silvestres na Primavera, nos encantos labirínticos femininos, hipnotizando Klimt e, por consequência, hipnotizando o espectador. Judit tem uma irreverência gigantesca, e passa a impressão de ser um colosso de dez metros de altura, e não uma frágil mulher, frágil como um caule de flor, havendo aqui força na fraqueza, e o fluidio e sensual acaba vencendo o cruel e o inflexível. Judit aqui tem muito jogo de cintura, e quebra as durezas do Mundo, trazendo um perfume novo, nas últimas novidades de Paris, a qual, já me disseram, é uma cidade maravilhosa, e talvez um dia eu visite a urbe. As vestes de Judit são dignas de uma princesa egípcia. É um tecido vaporoso e delicado, fino, revelando e, ao mesmo tempo, ocultando, num jogo provocador de escondesconde. Os dentes da modelo brilham pela luz do atelier de Klimt, e os lábios rubros ardem como fogo, numa boca que se abre e, ao mesmo tempo, nada deixa entrar, num paradoxo provocador, como se Judit soubesse direitinho como enfeitiçar e provocar. Os mamilos e o umbigo formam um triângulo, cujo centro é este corpo nu, o estômago, na digestão de fases da Vida. Judit quer se esconder e, também, quer se revelar – enquanto um seio está descoberto, o outro tenta se ocultar. O seio encoberto, como nuvens em um dia nebuloso, é o recato e a vergonha, numa Europa que, apesar de ser um cultura que celebra a beleza do nu, tem algumas heranças medievais de conservadorismo, num artista querendo buscar um ponto de harmonia e concordância, que é o umbigo, o centro. As vestes de Judit e o plano de fundo também têm detalhes em ouro, numa ironia: usando o ouro de fato, Klimt brilha como ouro, em um talento precioso – valor falando de valor. Os seios de Judit estão no auge de sua beleza e juventude, e eles são macios, agradáveis de ser apalpados. O plano de fundo tem formações vegetais, como numa densa floresta dourada, com suas folhas exuberantes, tropicais, nos mistérios da Vida – de onde vem tudo isso? Judit adquire aqui um papel decisivo, posando como a autora de tudo o que floresce aqui, tornando-se uma espécie de mentora, quase mandando em Klimt, fazendo deste um escravo de sua vontade. Mas é uma escravidão doce, irresistível, e o espectador quer, de boa vontade, submeter-se às vontades desta diva são estonteante. Podemos ouvir um gemido de Judit, e até uma risada contida, mas não uma risada de boca escancarada, mas uma risada sutil, rindo daqueles que acham que podem definir a própria Judit. São os mistérios telúricos do Jazz. Os cabelos dela são fartos e negros, imprevisíveis, como uma floresta negra à noite, sem luz alguma. É o mistério de Judit – o que será que ela quer dizer?


Acima, Nuda Veritas. A nudez é a exposição da Verdade. Nunca vou me esquecer de uma psicóloga que, ao atender os pacientes, vestia uma camiseta na qual estavam pintados seios e vulva, numa mensagem clara: além de ser psicóloga, ela era uma mulher. Eu ficava imaginando se a psicóloga saia na Rua vestindo aquela camiseta! Neste quadro, não há definições, e a modelo parece estar atrás de um vidro de boxe de banho, como se estivesse fora de foco, na sensualidade do ritual do banho perfumado. A mulher segura um objeto que parece ser uma lupa. A lupa é o olhar artístico sobre o nu, equilibrando-se numa linha tênue: é o sexy sem ser vulgar. É uma mulher voluptuosa, com uma cintura fina e quadris largos, nas curvas da Mãe Terra, na magia geológica das formas da Natureza. Os seios, umbigo e vulva estão bem desfocados, nunca artista não muito interessado em formas definitivas. A lupa é o olhar sobre o Feminino; é a curiosidade científica sobre os mistérios do Universo. O cabelo rubro arde como fogo, e flores brancas, talvez margaridas, decoram os fios, compondo um bosque paradisíaco, em que a Vida brota em todas as estações do ano, nunca havendo períodos depressivos de um inverso gélido e silencioso. Ao redor desses cabelos vemos borboletas furtivas, polinizando o bosque, e ouvimos o pio de passarinhos contentes, que encontram prazer na Vida. Os cabelos quase cobrem os seios, e vulva e cabelos formam um só ser, unificando a concepção de Eva. A modelo tem um olhar duro, pétreo, como se estivesse altamente mortificada e desiludida, atendo-se somente ao verdadeiro, ao autêntico. Na metade superior do pano de fundo, vemos as linhas psicodélicas tão adoradas por Klimt, em formas divertidas, que fazem da Natureza uma grande festa; na metade inferior do quadro, ondas, também curvilíneas, de um azul vibrante, como o Mar que envolve Iemanjá, a Mãe dos Navegantes. Temos aqui uma Iemanjá moderna, reinventada, e o seu umbigo é o centro gravitacional, ao redor do qual tudo gira, num artista querendo centrar-se em sua própria arte e em seu próprio labor. E o Mundo não pertence àqueles que encontram a si mesmos? As bochechas da modelo são rubras, como se ela estivesse envergonhada por aparecer nua perante tantos e tantos espectadores. Neste quadro, o curvilíneo acaba se impondo, subvertendo linhas retas e rijas – é a vitória da vagina sobre o pênis, que é o pincel. A boca vermelha da modelo está sutilmente aberta, revelando apenas um pouco dos dentes frontais. Temos aqui uma espécie de Eva transgressora, misoginamente responsável pela expulsão do Homem do Paraíso. A lupa parece ser uma bola de cristal, como se Eva quisesse ver o que acontecerá se morder a infame maçã, que é o pomo da discórdia. Tudo neste quadro respira num ritmo só, numa relação de continuidade entre os seres vivos. As flores são a fertilidade mental, sempre inventando coisas originais. A lupa é o olhar frio e científico, procurando encontrar Lógica na Loucura. A lupa tem o formato de Globo Terrestre, e Eva segura o Mundo nas mãos, adquirindo papel decisivo e definitivo no destino da Humanidade. Nesse sentido, a Mulher é protagonista, enquanto o Homem é mero observador, num jogo de sedução no qual não sabemos ao certo quem é o quê. Podemos sentir o cheiro de Mar, como uma mãe chamando seus filhos de volta para casa, no fascínio da imensidão oceânica, força natural glorificada no filme Titanic. As mulheres de Klimt são assim, titânicas; são Giocondas indecifráveis, pois o qual de que se pode falar não é o verdadeiro qual.


Acima, O Beijo. É claro que temos aqui um Klimt romântico, que sabe que o Amor é lindo. O homem envolve a mulher e a protege, numa relação erótica de interdependência. Nas vestes do homem predominam formas quadradas e retangulares, racionais, truncadas; nas da mulher, temos basicamente círculos, como planetas girando em torno da mesma estrela mãe, no Sol dourado. A mulher está de joelhos, como se estivesse rendida, conquistada. Seus pés e parte das pernas estão nus, de fora do traje, revelando o prazer simples de se sentir em casa. Aos pés dos amantes, uma relva muito florida e colorida, numa alegria primaveril, numa verdadeira festa da Vida, pois Klimt vê uma relação de continuidade entre os elementos de sua obra, sempre trazendo unidade. Os braços e mãos dos amantes se entrelaçam, como se fosse um enlace na Igreja, jurando fidelidade, jurando estar sempre um ao lado do outro, num juramento que é feito perante o Mundo, no altar, e este Mundo é representado pelos convidados do casamento, que testemunham a união, na crença religiosa de que o que Deus une, o Homem não separa, num Henrique VIII que desafiou o todo poderoso Vaticano, num monarca resolvendo se casar com várias mulheres, quase compondo um harém. Só que aqui, nesta cena, não há luxúria, nem poligamia, mas uma jura de amor eterno, que é eterno enquanto dura, não importando aqui o registro cronológico, e sim a qualidade do tempo que os amantes passam juntos, pois, cedo ou tarde, no desencarne, como diz o padre, a Morte os separa. Portanto, deve-se curtir o momento. Os cabelos de ambos os amantes estão enfeitados com Flora, na alegria sensual primaveril, quando a Vida renasce, ressuscita, trazendo toda a sua bela lascividade, na festa da reprodução, do coito, do fazer bebês. A mulher está com a boca e bochechas rubras, talvez envergonhada e, mesmo assim, excitada, e seus olhos estão fechados, como se estivesse dentro de um delicioso sonho erótico, num indecente prazer, perturbado pela culpa moralista. Aqui, não temos culpa, mas entrega, num momento de Amor verdadeiro – um se coloca nos braços do outro. O fundo dourado entra em harmonia cromática com o resto da composição pictórica. O traje do homem, apesar de ser mais masculino, tem também algumas curvas psicodélicas, como se ele estivesse se rendendo à namorada, às curvas da companheira. Temos aqui um retrato de companheirismo, do mesmo modo como o artista é companheiro de si mesmo, colocando na tela elementos de sua própria psique, dialogando consigo mesmo, em saudáveis momentos de solidão – todos precisamos de um pouco de reserva, de “egoísmo”. E, neste casal, existe respeito de um para com o outro, pois, apesar de estarem tão intensamente juntos, não são um só ser, e, do mesmo modo como agora se beijam e se unem, passam alguns momentos solitários, como numa casa, em que cada um tem que ter o seu cantinho, o seu pequeno reino. O homem beija calidamente o rosto da mulher, numa cena de alta intimidade, com um se abrindo para o outro. São como Yin e Yang, os quais, apesar de se complementarem, são também autônomos, pois nenhum relacionamento sobrevive à sobrecarga, ao apego doentio, ao possessivo. Temos aqui um Klimt extremamente paciente e minucioso, pintando cada pequena forma geométrica, debruçando por várias horas e dias sobre uma obra, amando a si mesmo como os amantes se amam. Temos aqui uma chuva de ouro, em que a felicidade é encontrada por duas pessoas que, finalmente, podem dizer o que é amar, adquirindo uma experiência de vida que mudará suas vidas para sempre. Os pés descalços da mulher são a simplicidade de estar em casa, sem as pressões do Mundo lá fora, dentro de um lar cheio de Yin, com o Yang lá fora protegendo o Feminino.

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